18/10/2009

O HOROSCOPISTA


Por muito tempo me diverti ao lembrar dum velho jornalista que conhecera tão de perto e que dirigia um jornaleco semanário que tinha lá seus encantos, porém. Eram aqueles tempos heróicos em que a composição era feita nas linotipos.

O velho jornalista tinha um perfil todo próprio: baixinho, desmazelado - diziam que meio avesso a banho - irreverente e desbocado.Tinha muitas manias: a principal era rolar nos dedos como se fosse uma bolinha de gude, um pedaço de chumbo que gravara texto rejeitado.

Certo dia resolveu que o seu jornal teria um horóscopo. Depois de muito procurar, não encontrando um horoscopista ou um astrólogo no lugar, resolveu que ele próprio, semanalmente, produziria o horóscopo. Semanas depois, o primeiro horóscopo foi publicado, assinado pelo estranho nome de "Monsieur Abidul - o astrólogo internacional", tudo muito bem feitinho e organizado, com os símbolos do zodíaco e tudo. E, assim, a cada semana, lá estava o horóscopo fresquinho, regendo toda a semana seguinte dos leitores. Mas, depois de um tempo, aquele exercício de horoscopista estava lhe dando cansaço e tédio porque passara a ser um compromisso inadiável. Havia o espaço a preencher. Já não agüentava mais "capricórnio, cuidado com amores inesperados, mantenha-se vigilante !", "virgem, prepare-se, você pode receber pequena fortuna !" e assim por diante.

Até que, no minuto final de fechar a edição, cheio de preguiça, manipulando nos dedos um pedaço de chumbo de gravação que saíra defeituoso da velha linotipo como se fosse um bolinha de gude, todas as previsões dos signos foram trocadas: as de touro, foram parar em virgem, de balança em câncer, de capricórnio em áries, de áries em capricórnio e assim por diante. E o horóscopo foi assim montado por semanas seguidas.

Numa manhã de segunda-feira – o jornal circulava aos domingos - o telefone da redação toca. A voz feminina pediu para chamar o horoscopista. O estafeta sonolento que atendera insistiu que o tal Monsieur não trabalhava no jornal.

- Como não? - já impaciente, a leitora. É ele quem faz os horóscopos!
Acordando como se levasse um balde de água fria, o estafeta tapou com a mão o fone e chamou o diretor:

- Diretor, tem uma mulher aqui querendo falar com o tal do Monsieur Abidul.
Meio surpreso no primeiro segundo, mais que depressa, estirou-se torto na cadeira, pé direito apoiado na última gaveta da mesa gasta onde se espalhavam as provas das páginas da edição do último domingo, afinando a voz, respondeu num sotaque misto de francês e inglês, tudo ridículo e risível:

- Bien, como posso ajudarr o senhorra ? Here é o Monsieur Abidul?

- "Seu" Abidul, suas previsões estão muito estranhas. Tenho certeza que no mês passado houve no meu signo um horóscopo idêntico ao de ontem. Minha filha leu o horóscopo de seu namorado, que é de leão com as mesmas previsões feitas para o seu próprio, de virgem, da semana passada. Como se explica isso?

Sem nenhum constrangimento, o diretor mantendo aquele sotaque híbrido, risos contidos à sua volta, respondeu marotamente:

- Oui, a senhorra. nunca ouviu dizerr que os astros e as stars se mexem no céu. Órra, os horoscôpos tem a mesma prrevison when os astros girram para o mesmo lugarr.
Ao que a mulher respondeu:
- O que gira é sua cabeça, Monsieur Abe... não sei o quê, seu charlatão! Seu sem-vergonha! - e bateu o telefone.
O diretor perplexo manteve por alguns segundos o fone na mão, boquiaberto, enquanto seus óculos de lentes riscadas escorregavam das orelhas suadas. Não pôde conter a ruidosa gargalhada que ecoou por toda a redação e oficinas. Mesmo não entendendo nada, todos riam alto como se a gargalhada do diretor fosse, por si só, uma grande piada.

Na edição seguinte o horóscopo deixou de ser publicado, com uma nota da direção do jornal simplória e curta no canto direito da primeira página: o astrólogo havia sido demitido porque "descobriu-se que era um charlatão".

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