02/05/2010

PESSIMISTA, MAS ESPERANÇOSO

Não há jeito. Qualquer autor, numa regra bem cerrada, escreve por experiência vivida, por conhecer episódios que o inspiram a escrever, mas sempre relatando passagens do passado. Ainda que escrita no presente, isto é, o relato se dando “hoje”. O cronista mais ainda. Ele também se vale de imagens do cotidiano ou de sua própria vida. No mais, se “viajar” para o futuro, entra no campo do prognóstico ou de ficção.


O ano de 1965 foi para mim, “de ouro”, de realizações que ficarão comigo para sempre. Lá eclodiam as músicas orquestradas por Ray Coniff, da jovem guarda com Roberto Carlos e a bossa nova com músicas lindíssimas todas ainda por aí. A adolescência estendida ou a maturidade postergada um pouco, as oportunidades que obtive ou que criei no meio estudantil de São Caetano do Sul ou na imprensa local deram-me naquele ano, quando deixava o colegial, um sentido de realização, de superação convivendo com amigos dedicados e verdadeiros. Nesse âmbito, sentira que “conquistara” a cidade.
Já naqueles idos deixara apenas um pouco de lado aqueles meus princípios e estudos esotéricos que tanto me haviam influenciado anos antes.
O rosacrucianismo, muito em voga então, foi para mim, pelos exercícios mentais que propunha, espécie de autoajuda. Todo esse conjunto e, depois o aprofundamento desses estudos, deram-me uma visão que hoje não poderei mais esquecer. Não poderei apagar de minha mente. Essas experiência ficaram comigo e me influenciam.
Lembro-me - e relato novamente se já o fiz -, quando no clássico, de um professor de filosofia, sujeito humilde, de pequena complexão, competente e culto, muito tolerante comigo porque suportava as minhas intervenções expondo esses princípios, em contraposição às suas valiosas lições em classe. Entoava, então, um samba sem ritmo e absolutamente desconexo que resultava, porém, em excelentes notas, eu que era péssimo aluno.
Foi desse tempo, não sei bem em que momento, embora reconheça alguma influência de minha falecida irmã, em que comecei a rejeitar com muita lentidão a carne vermelha e depois todas as outras. Essa renúncia é dificílima. Voltarei a esse assunto.
Em que momento comecei a me apegar aos animais? Talvez desde minha infância mas não me dera conta disso, então.

Alerto que durante minha vida profissional depois daqueles anos, fui obrigado a esquecer idealismos. Ora, idealismo sim, mas para servir a empresa, para garantia do seu lucro. Quantos vezes me vi naquelas quatro paredes, abatido, sentindo que as obrigações impostas pela empresa significavam não só para mim mas para muitos, verdadeiro “cemitério de talentos”.

Hoje, me situo nesse mundo louco. Deparo-me sim com jovens muito inteligentes e realizadores, mas não sou otimista.
O raciocínio “objetivo” predomina. Explico: esse raciocínio converte uma árvore centenária num valor econômico; uma mata sem qualquer valor desde que vire pasto, a extração da madeira a preço da devastação irresponsável, a predominância da proposição econômica em tudo. A violência política cuja marca indelével é o 11 de setembro – o ataque às torres gêmeas de Nova York. E hoje, precisamente hoje, a imensa mancha de óleo que cresce de modo assustador no golfo do México após a explosão e afundamento da plataforma de extração de petróleo sem que esses indivíduos que a controlavam tivessem sequer pensado numa alternativa em caso de desastre grave ou não. Lucro era e é palavra. Estamos condenados a assistir de novo aquelas cenas dolorosas de aves e animais marinhos em agonia, encharcados daquele óleo negro e bruto, inapelável.
O raciocínio “subjetivo” dá à mata seu valor como fonte de vida, não aceita sua destruição para converter sua área sagrada em pasto, que se emociona com um riacho ainda preservado e limpo longe da ação humana nefasta, não se envergonha em fazer poesia sobre suas belezas, sobre seus pássaros e borboletas, que não faz da vida uma proposição econômica como fim, mas como meio de sobrevivência digna. Que olha nos olhos dos animais e se pergunta como aquela vida se movimenta, como ela se dá, como é dirigida, quem a dirige? E a respeita.

A violência se propaga. Há uma disputa ferrenha pela conquista da tecnologia nuclear para fins não pacíficos. Afinal a violência humana cotidiana ceifa vidas por uma carteira sem dinheiro e quaisquer outros motivos fúteis. Ou uma bomba que ceifa dezenas de uma só vez. Há focos crescentes de desrespeito às crianças por toda sorte de violências. Há notória vinculação entre esses atos criminosos todos, espécie de encorajamento e inspiração maléfica.
Afinal, para onde vamos?
Há previsões apocalípticas do calendário maia que prevê o final dos tempos nos últimos dias de 2012, que coincidem com as profecias de Nostradamus. Não sei e nem me animo a ir além dessa citação. Se assim não for, estarei ingressando nos prognósticos ou na ficção, válidos, mas não aqui e agora.
Mas, merecemos um começar de novo. E como merecemos.
Sou pessimista, sim, mas esperançoso. Assumo a contradição entre os dois conceitos.

Por tudo isso, mesmo com os dois pés em 2010, sem reservas, me olho no espelho de 1965
Comparo e me emociono. Não por saudosismos imaturos, mas por comparar as realidades, hoje tão duras, amargas.


Foto: 1964 - minha participação num concurso de oratória no colégio.

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