25/07/2010

PLANTAS: VIDA SECRETA

Prolegômenos...curtos

Exerço, ainda, uma profissão árdua, técnica, com vocabulário próprio, hermético para tanta gente, o que me desabilita a manusear poesias. Tenho dificuldades para essa criação porque num dado instante esse vocabulário se sobrepõe aquele normalmente suave do qual afloram as rimas. Então, tento suprir essa efetiva “deficiência espiritual”, com textos nos quais insiro impressões sobre o cotidiano da minha e de outras vidas que senti, vivi ou presenciei ao longo do tempo.
Assim, quantas vezes já “homenageei” borboletas esvoaçando vacilante à minha frente, dando um sentido de boas vindas na caminhada pelas trilhas na mata, leitãozinho a que me apego, abelhas, escorpião...
E por aí vai.
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E quanto às árvores e plantas? Há quem fale com elas. Eu não cheguei a tanto (sei, não!)



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A segunda edição é de 1975. Não sei em que ano eu o li, mas provavelmente seja no fim dessa década. Refiro-me ao livro “A Vida Secreta das Plantas”, dos autores Peter Tompkins e Cristopher Bird. Não creio que haja uma terceira edição. Não a encontrei nas pesquisas que fiz.

Coincidindo com a leitura desse livro, no final dessa mesma década estive muito empenhado administrando um clube ligado a uma indústria automobilística situado no Caminho Velho do Mar, em São Bernardo do Campo.
Esse clube, com entrada por essa estrada, é claro que, para constituição de suas edificações básicas, provocou devastações naquele pequeno trecho da mata Atlântica. Quando assumi, até por uma questão intuitiva, repus o que pude, com canteiros, jardins e replantio de árvores, onde possível, porque havia campos de esporte que ocupavam boa parte da área.




Para permitir conhecer a intimidade da floresta, fiz abrir uma trilha cuidadosa que se encerrava na Represa Billings. Essa trilha é a da foto. Lá no fundo a mata preservada.









Muitas vezes, me aproximando devagar tal a neblina que permitia enxergar não mais do que um palmo à frente do para-brisa, permaneci assentado no meio daquele resto de mata, verde brilhante nos dias de sol que a varava por frestas, para um descanso ou mesmo para me acalmar das agruras reais do trabalho, das relações dificultosas, competitivas que se verificam no âmbito da empresa e na vida diária de um modo geral. Minhas explosões.
O que devo dizer, entre borboletas e pássaros desconfiados?
Que a serenidade baixava e, para trazê-la mais rapidamente eu a invocava: serenidade!
Houve dias que não fugi da chuva, tão intensa naqueles lados. Sai molhado mas respeitando cada vez mais e profundamente aquele recanto que, muitas vezes, sozinho, era só meu e dos pássaros e das borboletas amigos inofensivos e inspiradores.

O livro a que me referi é denso e entre muitos aspectos interessantes sobre as plantas, relata experiências de suas reações sob ameaça.
Sua vontade de viver. As variações que encontram para sobreviverem num ambiente inóspito. As sementes que querem espocar e brotam até mesmo nos locais mais improváveis. Quando criança, era uma festa encontrar, naqueles campos de mato ralo um pé de manga recém saído do caroço, ainda com suas folhas grenás.
Do prefácio resumo e transcrevo:
Um policial surpreendeu-se pela reação de uma dracena ao instalar, “impulsivamente”, os eletrodos de um detector de mentiras em suas folhas. E ficou estarrecido: “as oscilações da agulha do galvanômetro sobre o painel em movimento desenhavam uma curva semelhante à obtida ao submeter-se o ser humano a um estímulo emotivo de breve duração.”
E na sequência da experiência:
“Decidiu então submeter a folha a uma ameaça maior: queimar a folha. No instante exato em que teve esse pensamento, antes mesmo de apanhar a caixa de fósforos, a agulha se pôs a oscilar freneticamente. Por mais absurdo que parecesse, a planta havia lido o pensamento” do policial.
Bem, se assim se dá, imaginem o que eclode na Terra, com as grandes queimadas de áreas imensas de mata virgem. Os gritos silenciosos de terror que ecoam pelo éter. As vidas que lá são ceifadas de modo inapelável pelas chamas!
Não escapa dessa predação o ranger denunciador das motosserras
Dói constatar a coragem desses algozes, sua indiferença em praticarem tal crime continuado aparentemente impune.
Ah, mas não há impunidade! Este planeta não está condenando, não, à felicidade. Este planeta, pelos atos dos seus predadores implacáveis, pela indiferença às suas raízes, por não tentar entendê-las, está condenado ao sofrimento.
Posso até dizer alto e bom som: sou feliz, momentos individuais de felicidade, mas não o coletivo que, cada vez mais é assaltado por tragédias.

Muitos anos depois, ainda que não tenha talento para a poesia, inspirado pelas minhas idas frequentes à Serra do Mar, em contato com aquele pedaço da mata Atlântica, fui capaz de escrever o poema abaixo. Sei que o repito tanto, mas não tenho muitos. Precisava um dia explicá-lo. Nas duas estrofes finais, dou aquele sentido de movimento e consecução da tragédia.


Templos violados


Pelos recantos fechados da floresta,
Atuam Espíritos cultivando flores
O portal místico decomposto em cores,
Pelo sol enfeitado por estreitas frestas.

Um Templo sob azul e límpida nascente
Permitia saciar n'Alma adormecida,
Inspiração profunda no mundo perecida
Intuindo orações de elevação crescente.

E assim, naquele ambiente purificado
Buscavam consolo e amor, desiludidos
Palavras interiores de paz, esquecidos,
Ali o filósofo apreendia a magia do iniciado.

Haveis que instrumento de trêmulo corte,
Trepidando fio, avançando duro e feroz,
Fez do Templo nada, senão estalo atroz
Num dia em que ao céu clamou a morte.

Que delírio insano ocorrera, porém?
Na inscrição berrante anunciava tal torpeza:
"O progresso derrotara, forte, a natureza"
Restara então, do Templo, nada mais que desdém.


Última foto: Google Imagens.

3 comentários:

Marisa Bueloni disse...

Dr. Milton: a paz! Sabe, eu converso com as plantas e árvores. Aqui na chácara, acaricio o pé de lichia, a jabuticabeira, vou dizendo que são belas, que são dádivas de Deus! Seu poema é maravilhoso! Que o poeta oculto em sua alma apareça mais vezes! E o desmatamento criminoso que vemos nos dias de hoje é sinal dos tempos... Um forte abraço da Marisa

João Athayde disse...

Caro colega Dr. Milton ; descobri hoje seu blog, e fiquei contente de ver que suas idéias brilhantes e sua cultura estão se prodigalizando pela internet. Confesso ter ficado surpreso e gratificado de sabê-lo também um poeta, e dos bons. Aproveito para agradecer-lhe a paciência de ouvir-me no Parque da Rua do Porto, no dia do Escritor. Na verdade, você deveria estar lá conosco, dando vida e arte àquela manhã de sol e comemoração. Um grande abraço. Athayde.

MILTON MARTINS disse...

Athayde

1. Fiquei lisonjeado com sua presença no blog;
2. Se poeta, com forte influência "juridiquês" que não consigo me libertar. Dai o esforço adicional para por no papel algum poema;
3. Ao ouvir você no Parque da Rua do Porto - Piracicaba, não tive "paciência", mas foi meu modo de ver vc declamar suas poesias. A oportunidade era meio rara, pelo menos assim publicamente.
PS: Vejo agora que vc se "inscreveu" como "seguidor".
Me honra muito.

Abraço. Milton Martins