23/09/2012

NOSTALIA (Entre nostalgia e melancolia)


                     
Não sei bem, mas espero não estar sendo presunçoso em reafirmar que minhas fugas para a pequena Águas de São Pedro me fazem bem. Me permitem naquelas estadas, por enquanto breves, refletir muito. Apelo para o meu "direito ao silêncio".
E não adianta refletir – apenas – nos mistérios do universo tão desafiantes, na medida em que intimamente se têm indagações próprias, angústias, nostalgias, melancolias...


O passado “já era” direis. O que importa é o agora e o futuro. Mas, o que seria do meu agora, sem o meu passado?
Ela está aqui, presente e agora. Das tantas crônicas que já escrevi, espero não estar sendo recorrente com essas afirmações.
Posso dizer, sem mágoas, que nada para mim foi fácil. Não nasci em berço esplêndido e enfrentei minhas “barras”.
A reação para melhor se deu nos meus tempos de estudante, época em que explodi em irreverências, coragem, realizações e...angústias. Sobre estas já escrevi antes. E o que escrevi está por aqui, neste espaço, mas nem eu mesmo consigo localizar com facilidade.

Amigos

Nessas reflexões me veio à mente, aquele trecho da música do meu xará Nascimento, “amigo é para se guardar do lado esquerdo do peito”.
Que tenho a dizer sobre isso?
Tantas décadas se passaram e as faces e gestos se perderam.
Sei que na empresa, nas quantas trabalhei, nunca me deparei com “amigos”, mas colegas, porque nesse ambiente de trabalho, pode tanto se dar hostilidades por disputas de cargos, como mera tolerância, convivência entre os pares. Agora, amizade...
E pior, se se “cai em desgraça”, como se diz, ainda que momentânea, os “amigos” se voltam para o novo ”eleito”.
Dizia – hoje, não penso assim, nem tanto, porque muitos se realizam - que o ambiente da empresa, por todas essas variáveis, era (ou é) um “cemitério de talentos”.
Lembro-me de dois profissionais que trabalharam comigo. Lealdade total no dia-a-dia. Mas, seria amizade? Ou o prazer do trabalho que faziam estando eu por perto?


Dos tempos colegiais – não universitários – me relaciono ainda com muitos deles. Afinal, décadas se passaram e, não tanto amizade, mas a necessidade da convivência, estreita os laços.
Mas, daqueles tempos, talvez não conte os amigos para “guardar do lado esquerdo”, nos dedos de uma mão.
Não sei bem, o tempo e a distância apagam as imagens e a reciprocidade.  As coisas são assim, “o que se há de fazer”?

Pessoas importantes

Há sempre mensagens ressaltando a importância de um aperto de mão, um cumprimento, um sorriso a pessoas próximas, gestos que podem significar um alento, uma esperança, para quem os recebe naquele instante crítico e imperceptível para quem os distribui.
É verdade isso.
Na única vez em que fui demitido de uma multinacional – quantas vezes firmara o pensamento de que essa seria até uma boa solução, que acabou ocorrendo, já escrevi sobre isso – porém, na fase de transição de minha saída não mais do que três ou quatro colegas não recearam manter contatos pessoais comigo enquanto minhas saída ainda não se dera totalmente.
Foi importante para mim que assimilava ainda o impacto da demissão. Pensar ainda que de modo firme sobre um desejo (desejo da demissão) é uma coisa; outra coisa é conviver com ele realizado.
Os outros, inclusive subordinados antes bajuladores, sumiram. Não pensavam que numa empresa a fila sempre anda.
Por tudo isso não tenho apreço pela empresa. Um dia conto porque.

Há pessoas importantes que se sobressaem em relação a vida de cada um.
Esses meus conflitos entre o meu “eu” autêntico e aquele que era obrigado a externar nessas relações profissionais, teria sido, digamos, captados por um dessas pessoas, importantes para mim num momento dado.
Por ocasião da terceira edição do meu livro sobre Sindicalismo, numa resenha publicada num jornal de circulação nacional, ele me qualificara como “pessoa simples e modesta, até com traços de aparente timidez (...) que consegue comunicar-se de maneira simples, em linguagem ao alcance de todos os mortais...”
Realmente essa timidez se fez presente em todo o meu tempo trabalhando em multinacionais.  Como era complicado conviver no dia-a-dia com o verniz estampado nos rostos, superficiais naquele ambiente: “a vida lá fora não se confunde com a vida aqui dentro”.
Essa “timidez” me prejudicou na vida profissional.
Mas, vá lá, sobrevivi.

Almoço: língua ensopada

Trabalhei por algum tempo numa empresa média no bairro do Ipiranga (SP).
Simples “auxiliar de contabilidade”, tinha por motivação, ocasionalmente, atender ao diretor sobre o balancete do dia-a-dia.
Ambiente simples que me agradava mas sabia que ali não estava o meu futuro profissional.
Quão difícil chegar até lá: ônibus lotados na vinda e volta, meus lanches repetidos de queijo e salame – naqueles tempos ainda comia esse embutido, nunca mortadela, mesmo com seu “perfume“ tentador -, o iogurte na padaria na Silva Bueno.


Eis que um dia, um gerente de outra empresa do grupo foi deslocado temporariamente para aquela na qual trabalhava.
Ao me ver surpreendeu-se. Ele me conhecia de São Caetano do Sul, dos tempos das minhas estripulias estudantis.
Quando estava na fábrica, me tratava, sem receio da palavra, com “carinho”. Tudo fazia para que eu não ficasse aborrecido com os dissabores normais no cotidiano de qualquer empresa.
Num sábado ele também veio ao trabalho. No final da manhã foi peremptório:
- Hoje você vai almoçar comigo em minha casa.
Eu estava mal naquele sábado, indisposição estomacal, essas coisas.
Falei sobre isso, mas ele insistiu.
Saímos atrasados.
Quando chegamos à sua casa, a mesa estava desfeita. Sua esposa estava em vias de lavar a louça.
Constrangida com a visita, fez o que pode para nos servir.
O prato?

LÍNGUA ENSOPADA...

Pobre de mim.
Já com estômago revirado, assumi um asco involuntário e nada consegui comer, até mesmo uma garfada de arroz para agradar a esposa do meu amigo tão prestativa. E a ele próprio.
“Minha graça”, que fiasco.
Relato isso para registrar o apreço desinteressado de um amigo em tão rápido convívio.
São pessoas importantes cujos gestos ficam para sempre.


Fotos:
1 – Nebulosa “Pata de Gato” from ESO. Sempre que se olha para o alto se encontra o incompreensível em formas lindas. O que mais dizer dessa grandiosidade, considerando esta nossa vida tão frágil?
2 – Foto do último jogo na empresa Chrysler (Santo André) da qual saí antes que se extinguisse. Ela ilustrou a crônica “Ternura, essa palavra feminina...(?)" de 04.04.2010 que tem conexão muito estreita com esta. Nela se incluem dois amigos leais pelo empenho no nosso trabalho.
3 – Trecho da rua Silva Bueno, no Ipiranga, que teve importância para mim, por um período. Era ali perto o ponto do ônibus.

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