20/12/2009

IMAGENS DE LISBOA

Disse numa outra crônica sobre Portugal que para o visitante de fora, as imagens que coleta pertencem àquele momento em que presenciadas ou fotografadas. Num estalo tudo pode mudar, embora na Europa muita coisa não mude. Há monumentos que sobrevivem há séculos.
Nos meus tempos de ginasial havia um professor de história que enaltecia o rei D. Diniz que intensificara na localidade de Leiria, a cultura de pinhais que serviriam mais tarde para a construção naval. Na época dos descobrimentos, o pinho fora usado na construção dos navios.
Inibo-me um pouco em perguntar que fim levaram os Pinhais de Leiria na minha ignorância num momento duma excursão. A guia me pediu que esperasse.
Uns minutos depois, chamou-se a atenção apontando para uma enorme área verde:
- Ali estão os pinhais de Leiria!
Bem, lá estão, preservados, há já 700 e tantos anos.
A Europa é assim. Ela guarda a memória dos séculos.



Lisboa é uma cidade arrumadinha, bonita, que se entrosou na comunidade européia e, sem dúvida, foi beneficiada por isso.
Um local muito agradável é o bairro do Rossio. Descemos à estação de Campo Pequeno do métro (pronúncia em Portugal), bem cedo para irmos até lá.
À nossa frente a bilheteria eletrônica que nos parecia uma entidade marciana. Eis que uma senhora portuguesa que lá desembarcara, com incrível delicadeza, percebendo as dificuldades dos “estrangeiros patrícios”, foi solícita e amável em nos ensinar a mexer na geringonça.


Não dá para negar nossa descendência portuguesa para quem tem, claro, sangue português. Nós nos parecemos de um modo incrível. No vagão deparei-me com um sósia de um velho tio. Tanto era parecido que evitei encará-lo para evitar mal entendido.


Fotografado da Torre da Santa Juta, o Rossio com destaque para a Praça Dom Pedro IV


O Rossio preserva o lado mais antigo e tradicional de Lisboa. Afastando-se do centro, encontram-se vielas e becos, casas velhas, que não imagino o tempo de existência.
Por ali, num ponto mais alto, numa praça, esculpido na rocha, o deus Netuno mira o mar com aquele semblante severo para não ser contrariado. Afinal, é o deus dos mares.





Netuno esculpido na rocha - Rossio









Descemos nos rumos do Largo do Chiado. Tiro foto dando a mão para a escultura em tamanho natural do poeta e escritor português Fernando Pessoa, “sentado” numa mesa do bar “Café a brasileira” que fora a de sua preferência.


















Eu e Fernando Pessoa (1888-1935), o grande poeta e escritor português - também astrólogo - na Praça do Chiado. As referências dão conta de que no local de preferência do escritor se instalava o "Café a Brasileira". Vejam que a foto revela uma certa "Casa Havaneza". Não procurei saber da "Casa a Brasileira". Quem sabe alguém explique. Duas frases de Fernando Pessoa: "Precisar de dominar os outros é precisar dos outros. O chefe é um dependente." e esta: "O homem não sabe mais que os outros animais; sabe menos. Eles sabem o que precisam saber. Nós não."


Tomo um susto com a placa “zona pedonal” que soa muito estranho. A palavra não existe no Aurélio mas por derivadas, conclui tratar-se de zona de pedestres.
Por ali é possível ascender pelo elevado de Santa Justa, inaugurado em 1902, uma Torre Eiffel em miniatura. De lá de cima dá para mirar ao longe a cidade, incluindo o Castelo de São Jorge, do outro lado, construído numa colina.


De bonde chegamos a esse Castelo-fortaleza de São Jorge – santo guerreiro – construído em 138 AC. Todas essas construções (muito) antigas mexem comigo, ao imaginar o nível de sacrifício que aquela gente (islâmicos?), em condições tão precárias, sem recursos técnicos, enfrentou para elevar uma fortificação daquele porte no alto duma colina.
Mas, ali, no pátio do Castelo, há um chamamento à reflexão. Sob a sombra tênue de uma oliveira, que parecia ter sido vandalizada, uma placa já desbotada, destacava uma mensagem “aos viajantes”. A “oração da árvore” difundida na internet, como agora constato, com o texto seguinte contendo forte apelo ecológico:

[Abaixo, Castelo de São Jorge - à direita a árvores e a placa com a "oração da árvore". Sua autoria é atribuída a Veiga Simões, Arganil, Portugal, 1914 - seria adaptação de um texto iugoslavo]



Tu que passas e ergues para mim o teu braço,
Antes que me faças mal, olha-me bem.
Eu sou o calor do teu lar nas noites frias de inverno;
Eu sou a sombra amiga que tu encontras
Quando caminhas sob o sol de agosto;
E os meus frutos são a frescura apetitosa
Que te sacia a sede nos caminhos.
Eu sou a trave amiga da tua casa,
A tábua da tua mesa, a cama em que tu descansas
E o lenho do teu barco.
Eu sou o cabo da tua enxada, a porta da tua morada,
A madeira o teu berço e o aconchego do teu caixão.
Eu sou o pão da bondade e a flor da beleza.
Tu que passas, olha-me e não me faças mal.





De volta ao Rossio, descendo de auto-car (ônibus) rumamos para a rua Augusta, imperdível, sofisticada como fora (ou é) a nossa própria rua Augusta em São Paulo. Bons restaurantes, lojas e tudo o mais.

Há muito, muito mais a dizer de Lisboa, mas fico por aqui até porque as imagens se perdem na memória mesmo com a ajuda das fotos.

E os portugueses em relação ao Brasil? Pelo que constatei pelas ruas, eles gostam muito do Brasil, como uma criação sua, que fala português, embora com “aperfeiçoamentos” (por exemplo, a palavra “bicha” para fila, foi “definitivamente” substituída por esta última por “influência” brasileira, pelo significado que tem aquela aqui).
Mencionam muito a violência brasileira, no Rio em especial, mas são admiradores declarados da música e de pontos da cultura brasileira. E das novelas.

Fico por aqui. Não falarei mais de Portugal embora haja muito a falar, após fechar a trilogia: Coimbra, Évora e agora Lisboa. Nem tenho mais disposição de voltar para Portugal, não por qualquer rejeição ao país que gosto muito, mas por não suportar 11 horas dentro dum avião. Quer saber? Não sei, sei lá, entende.

Um consolo: conheci em Lisboa uma guia de turismo de bom nível cultural que gostaria de conhecer o Brasil, mas receava atravessar o Atlântico...de avião. Jamais seria navegadora naqueles tempos de descobrimentos e aventuras porque havia que vencer o “mar tenebroso” (Atlântico) cheio de monstros e traições...

13/12/2009

BUCÓLICOS (i)

O Rio Piracicaba e seu nascedouro em Joanópolis (SP)




























Foto 1: “Cachoeira dos Pretos” onde nasce o Rio Piracicaba – há alguma divergência sobre a origem do nome. A versão aceita, oficial, tem a ver com o português Antonio Preto que aportou na Colônia em 1562. Entre seus descendentes, Manoel Preto, escravagista, caçador de índios foi bandeirante e sertanista. O nome da cachoeira, então, proviera da família Preto.

Foto 2: Barco solitário no rio Piracicaba em dia de cheia (foto de Milton Pimentel Martins).

Morei no ABC e guardo, sim, muitas lembranças de São Caetano do Sul. Acho que já me referi nestes Temas sobre isso. E por que fui embora?
Porque de onde morava via aquela chaminé assustadora da refinaria de Capuava, tal qual uma vela gigante queimando gases, por horas e horas.
O odor forte de borracha queimada que vinha das indústrias de pneus. Gases tóxicos expelidos na calada da noite que dificultavam a respiração.
Um dia, há mais de duas décadas, aproveitando a proposta profissional, de “mala e cuia” e mudamos para o interior.
Quando aqui chegamos, no meu bairro, no qual até hoje estou, pela manhã, uma pequena boiada cruzava o meu caminho. Pássaros em profusão caminhando a poucos metros de meus pés.
Veio o progresso, claro, a cidade cresceu muito. Sumiu a boiadinha, claro, mas ainda usufruo desses privilégios porque vivo próximo de amplas áreas verdes, num setor mais alto próximo duma das margens do rio Piracicaba. No parque da rua do Porto a que já me referi, todo domingo caminho por ali o que me ajuda a relaxar e a própria reflexão na medida em que a idade é assumida.

O Rio de Piracicaba nasce na pequena cidade de Joanópolis, a 170 quilômetros de Piracicaba.
No dia em que lá estive chuvas intensas faziam da Cachoeira dos Pretos (a 18 km do centro de Joanópolis), um espetáculo a parte, uma queda magnífica de 154 metros sinuosos transitando a água entre pedras, um trajeto sinfônico. Diz a placa: “Aqui nasce o Rio Piracicaba”.

Duma nascente semi-canalizada, em espasmos, jorra água límpida logo ali ao lado. Experimento aquela água levíssima da fonte, algo raro nestes tempos de degradação. Nada de excepcional se não sentisse seus influxos positivos que provieram, certamente, de seu nascedouro virgem.
Naquela paragem, a área é de preservação ambiental. Um dia desses volto e subo no alto da montanha de jipe (oferecido no local como “aventura”) para me aproximar mais da intimidade daquela exuberância toda, do seu nascedouro. Encantamentos.

Aqui em Piracicaba, o rio que lhe dá o nome está bem com tanta chuva. Nos tempos de seca é uma lástima. Mesmo assim, nesses dias magros com baixíssima vazão, lá estão pescadores insistentes com suas varas, lançando anzois sob água “servida”, mal cheirosa...
Os peixes de pequeno porte sobrevivem nesses tempos magros, nessas águas turvas. Corajosos os pescadores e os peixes.




Joanópolis é considerada a "Capital do Lobisomem" desde 1983 por conta de obra literária e causos sobre a figura folclórica. Na cidade é ele um personagem hospitaleiro e bom sujeito. Assim, "cabe a cada um desvendar os mistérios da meia-noite nas noites de lua cheia" em Joanópolis.



Voltarei com esse tema, “Bucólicos”: Ilhabela e borboleta azul, gambazinhos e papagaios.

22/11/2009

A SABEDORIA DOS RIOS















“A mata, templo sob azul e a límpida nascente
Permitiam-lhe saciar n'Alma adormecida,
Inspiração profunda no mundo perecida
Intuindo orações de elevação crescente.”


Para a resenha (parcial) do livro "Mistério das catedrais" de Fulcanelli, acessar:


Texto ampliado

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 Esse trabalho de atravessar viajantes como balseiro também com resultado revelador, se conhece no livro “Sidarta”, de Herman Hesse, autor alemão que, na década de 60 influenciou jovens e não tão jovens com suas idéias de desapego a qualquer doutrina. Hesse recebeu o Prêmio Nobel em 1946 e, para muitos, fora um sábio.

Sidarta era um jovem que certo dia resolveu deixar a casa de seu orgulhoso pai, um brâmane, para ele próprio, buscar a sabedoria.

Saindo pelo mundo com seu amigo Govinda, viveu todas as experiências mundanas até que, envelhecido, procurara a companhia de um “simpático” balseiro que certa vez o transportara. Com ele passa Sidarta a conviver e trabalhar.

E Sidarta, incentivado pelo amigo balseiro (Vasudeva) passa a ouvir a voz do rio (“O rio sabe tudo e tudo podemos aprender dele”). E pergunta um dia ao velho amigo:
“O rio tem muitas vozes, um sem-número de vozes, não é meu amigo? Não te parece que ele tem a voz de um rei e a de um guerreiro, a voz de um touro e a de uma ave noturna, a voz de uma parturiente e a de um homem que suspira, e inúmeras outras ainda?”

E assim, vivendo humildemente, substituindo seu amigo balseiro que encontrara, à beira do rio, a sabedoria e se retirara para a floresta, foi paulatinamente encontrando ele próprio sua interioridade e sua paz.

Mas, faria uma revelação importante para seu amigo Govinda que o reencontrara, sobre a sabedoria: “Os conhecimentos podem ser transmitidos, mas nunca a sabedoria. Podemos achá-la, podemos vivê-la, podemos consentir ela nos norteie, podemos fazer milagres através dela. Mas não nos é dado pronunciá-la e ensiná-la.”

Tal se dá, certamente, porque a sabedoria é uma experiência pessoal, interior, intransmissível. O mesmo não se dá com o conhecimento.

Assim, ousei colocar lado a lado esses dois personagens tão semelhantes que, verdadeiramente, destacam o vigor místico dos rios, fonte de batismos, com sua cadência harmoniosa, sua voz, seu ir sem volta mais sempre presente até o fim de seu curso, culminando no seu trajeto majestoso em alimentar canais maiores num processo inexorável de transformações.

Por isso, sobre a água, encerro com São Francisco, valendo-me de um trecho do “Cântico do Irmão Sol”:
“Louvado sejas tu Senhor pela irmã água / que é tão útil e tão sábia / preciosa e casta”.



Foto 1: Parque Nacional Canaima - Bolivar - Venezuela. Foto de Alberto Corona (corona.blogia.com)

Foto 2: Imagem de São Cristóvão - azulejo - Igreja Matriz de Rio Tinto - Concelho de Gondomar - Porto / Portugal


15/11/2009

ÉVORA E SEUS ENCANTOS


Tenho Portugal comigo com muito carinho. Não sei se pela língua ou por gestos educados que recebi nas duas vezes que lá estive.
Quando se faz uma viagem ao exterior e se escreve impressões sobre determinada cidade ou país, são como retratos instantâneos. Tudo pode mudar no dia seguinte. Évora me marcou muito e explico nestas linhas

Évora, olhando-se o mapa de Portugal, fica a direita de Lisboa, um pouco mais ao sul. Não dá, de ônibus, duas horas de viagem. O país é pequeno significando que lugar algum é muito longe.









Cidade pitoresca de “terras lusitanas”, cheia de monumentos históricos, bastando citar que ali remanesce, construído no século II, pelos romanos, ruínas dum templo à deusa Diana.

É a cidade cercada por muralhas, estas construídas entre os séculos XI e XII.
A visitação aos inumeráveis monumentos é até fácil pela proximidade entre eles.
Limito-me, porém, a dois: a igreja de São Francisco e a “Capela dos Ossos” (sob outro enfoque, já me vali das informações ali colhidas em outra crônica – “Dos sem religião” de 27.02.2009):
Tenho certa admiração pelo santo que dá nome à igreja. Na sua entrada, numa pequena placa, lê-se a seguinte mensagem escrita por Santa Tereza de Jesus:

“Nada te perturbe,
Nada te espante
Tudo passa
Deus não muda e a paciência tudo alcança
Quem Deus tem, nada lhe falta
Só Deus basta.”

Não sei se, motivado por essa “recepção”, o caso é que, chegando à sacristia – não havia ninguém – tive aquela sensação muito comum quando damos um vexame, enrubescendo o rosto. Essa eclosão fora inspiradora, algo parecido com o que sentira quando, havia poucos anos, visitara o túmulo do santo em Assis, na Itália.
Saí da igreja ainda com aquela sensação e, ao lado, entro na “Capela dos Ossos, construída por franciscanos no século XVI na qual, nas paredes internas, estão incrustados cinco mil crânios humanos e, nos pilares, por ossos dos membros inferiores. Todos esses ossos foram obtidos em cemitérios precários que existiam ao lado de diversas igrejas.

E no pórtico, no alto, se lê: “Nós ossos que aqui estamos, pelos vossos esperamos”.

Claro que tal capela constitui-se numa evocação anti-vaidade, em linha com o que praticara e pregara até exacerbadamente São Francisco já que, no final, tudo se reduz ao pó para não dizer, ossos. Tal pode ser meio macabro, mas é, sem dúvida, uma sacudida pró humildade. Os ossos lá estão...
Évora, pela sua “idade” tem, também, suas vielas estreitas e desertas.
Numa delas, arriscamos um restaurante simples, descoberto ao acaso, numa quebrada, uma placa indicativa mal escrita. No seu interior, baixa iluminação, muito própria de filmes “noir”, mesas de madeira escurecidas. Serviço aceitável. De entrada um vegetal temperado com puríssimo azeite de oliva. Pareciam grandes feijões verdes. Eram favas. Fui...
Daí, seguindo por aquelas ruelas, chega-se à praça do Giraldo, a principal da cidade, movimentada, turistas usufruindo das mesas no centro dela. Idosos, muitos, relaxavam e falavam nas velhas edificações do outro lado.

Relata o escritor Laurentino Gomes, no seu best seller “1808” que em Évora, as forças de Napoleão praticaram “duríssima repressão”, diante da resistência inútil dos seus moradores aos avanços das tropas comandadas pelo general Loison: “Homens, mulheres, crianças e velhos foram caçados sem dó nem piedade pelas ruas, que ficaram banhadas com o sangue de mais de 2000 mortos numa única tarde.”

Bastara descer uma ladeira qualquer e voltamos à rodoviária. Não me lembro no caminho de ter encontrado qualquer transeunte em toda sua extensão.
Na rodoviária, modesta, os banheiros eram vergonhosos. Bacias turcas imundas afastavam inapelavelmente homens e mulheres de seu uso. Aliás, na Europa, na média, não são os sanitários muito promissores até mesmo nos pontos turísticos bastante visitados.
O que ficou de Évora, porém, foi aquela sensação de paz, algo das vibrações que talvez a história, os seus mortos e o clima evoquem de modo imperceptível, mas que de alguma maneira são captadas pela mente desarmada. Sutilmente.

(Na crônica de 14.06.2009 escrevi sobre Coimbra, a Universidade e D. Diniz)

GIRALDO EM ÉVORA
(Grafia original)

"Foi esta Cidade conquistada aos Mouros...e no ano de 1166 a recuperou um nobre Cavaleiro…chamado Giraldo sem Pavor…e alguns deliquentes, com os quais vivia na serra de Montemuro, exercendo latrocínios, que por serem em forma de guerra, ficavão menos indecorosos.
…e estando perto da Torre da Atalaya se adiantou mais dos seus companheiros… Foy subindo Giraldo pela parede…chegou ao alto , e lançou a Moura abaixo, e entrando na torre degolou o Mouro…e trouxe a sua cabeça com a da filha a seus companheiros, que foi bom prognostico da vitoria, que depois alcançarão.
…um homem a cavallo…armado todo com uma espada nua em uma mão, e na outra duas cabeças de homem, e mulher, aludindo a esta façanha de Giraldo, donde teve principio sua restauração, e liberdade."

P. António Carvalho da Costa
COROGRAFIA PORTUGUEZA
Tomo Segundo 1708

Fotos pessoais:

1. Praça do Giraldo - Évora
2. Capela dos Ossos - Visão interna: as paredes porosas são constituídas de crânios e ossos

03/11/2009

ENCONTROS E DESENCONTROS





















A pequena empresa onde trabalhava passava por sérias dificuldades. Havia a necessidade urgente de um vendedor dinâmico que enfrentasse o mercado reticente para o produto ofertado (venda de anúncios).

Um dia, inesperadamente, esse vendedor apareceu. No começo, como quem pouco quisesse, com postura humilde, propôs-se a desenvolver novos clientes.

Com o passar dos dias, seu trabalho começou a dar resultados e, a cada êxito, sua personalidade ia se modificando na mesma proporção.

Passou a pedir pequenos adiantamentos por conta de comissões. 

Esses adiantamentos foram subindo de valor, chegando o momento em que a situação tornara-se insuportável.

Todos na empresa passaram a "dormir e acordar" com ele. Era envolvente, convincente, com fortes marcas de mau caráter. Era tênue a linha que o separava da gatunagem pura e simples. Talvez fosse contido pela religião que afirmava professar. Ele conseguira ser a preocupação número um de todos. Eram comuns comentários como:

- Ontem "fui dormir" com o M.., sonhei com ele e "acordei" com ele!

Essa opressão psicológica que ele exercia, por um fenômeno qualquer de sua personalidade, tirava algo de todos. Sua presença tornara-se insuportável, ‘vampiresca’.

Alguns meses, quando o clima se tornara de tal ordem negativo, num daqueles estouros inevitáveis, um murro na mesa, de vez em quando necessário, foi posto a correr.

Muitos anos se passaram. Um dia, no centro de São Paulo dei de cara com ele. Tentei evitá-lo, mas ele fez questão em se aproximar. 

Disse apenas:

- Olha, criei juízo...

Balbuciei qualquer coisa, perplexo com a afirmação, logo ele a quem expulsara do ambiente para bem de todos, de mim principalmente. Que tipo de juízo criara? Como poderia ter extraído de si aquela sua marca opressiva? Que reflexão fizera? Sem mais uma palavra, desviou-se e se foi. Quem sabe, realmente "criara juízo". Jamais o esquecerei, porque ele significou na vida de algumas pessoas e na minha própria, por certo tempo, um desencontro. Aquele que finge dar, mas que só tira.

Há pessoas que, efetivamente, num dado momento, entram na vida de outras, provocando grandes provações e dissabores Às vezes de forma inexplicável. E depois desaparecem, se vão, da mesma forma como vieram, deixando, porém, o gosto amargo da lembrança.

São os desencontros. São as pedras que rolam, se chocam e se batem. Mas, não são somente pedras que rolam e se batem.

Há momentos que elas se aproximam, aquelas pessoas que nos momentos mais difíceis também de forma inexplicável, se apresentam e fazem um bem imenso a outras, um simples gesto, falando qualquer coisa oportuna que enleva, que recupera.

Uma palavra pouco machista nos dias de hoje: a ternura. Isso mesmo! É o que algumas pessoas transmitem, sem afetações, com sinceridade e de tal ordem que muitas vezes somente a gratidão não é suficiente para compensar as benesses recebidas. E o mais curioso é que não se dão conta do que fizeram.

São os encontros. Os reencontros. O retorno a algum passado que parece vivido mas perdido, quem sabe, nos séculos, no éter.

Quando faço uma reflexão dos desencontros e encontros, chego à conclusão que nesta vida atribulada, até agora, conto mais encontros, reencontros. Que permanecem em minha mente como momentos preciosos, de amizade. Quanto de amor há na amizade?

Se os desencontros foram maiores, tento não me convencer disso até porque tenho consciência de minha obrigação de perdoar e relevar. Difícil, mas ver o lado bom do atrito das pedras.

Foto: abracadabra.weblog.com.pt

25/10/2009

ESTADOS UNIDOS, UM SENHOR PAÍS



































Foto 1: A onda do açaí nos Estados Unidos. O cartaz apontado pelo meu filho Silvio, se ampliada a foto, revelará os seguintes dizeres: “Now available – AÇAI ENERGY – Brazilian Super Fruit”. Exposta num restaurante de estrada entre Nova York e Filadélfia
Foto 2: Visita a Lincoln Memorial (Washington). Eu e minha esposa Ana Rosa.
Foto 3: Naquela linha de aproveitar tudo o que possível a estatua da Liberdade, fotografada “a vivo” nas proximidades de sua ilhazinha (Ilha da Liberdade), pelo Rio Hudson (Nova York). A estátua possui 46,5 metros de altura, pesando 24635 toneladas e foi um presente da França aos Estados Unidos em comemoração ao centenário de sua independência.



Pela segunda vez estive nos Estados Unidos, pais que admiro. A primeira vez foi por conta de atividade profissional. Lá fiquei por 35 dias. Desta feita, há pouco, só alguns dias, o suficiente para apreender sua atmosfera num momento de crise. Sobre esse aspecto, escrevi no portal www.votebrasil.com, “edição” de 14.09.2009.
Normalmente, em qualquer viagem ao exterior – e eu já visitei 16 países entre América do Norte, do Sul e Europa -, há que aproveitar sempre com bastante atenção os aspectos turísticos de tal ordem que dessas viagens – além da vaidade (epa!) de afirmar “eu já estive lá” – fiquem imagens de experiências que realmente valham a pena reter.
Hoje, de todos esses deslocamentos ao exterior que tive a oportunidade de viver, só guardei fragmentos o que me leva a questionar se valeu a pena tantas horas nas desconfortáveis viagens de avião, nas suas poltronas minúsculas, cotovelos com cotovelos. As fotos que poderiam significar lembranças, com o passar do tempo ficam inidentificáveis.
Nesta última viagem aos Estados Unidos, em setembro último, estive atento a notícias do Brasil. Nada e em certos setores da tradicional ignorância americana o Brazil é praticamente desconhecido.
Na Filadélfia, faço duas perguntas a uma americana comum provinda do estado de Arizona. Ela sabia, pelo menos, que no Brasil se falava português.
- Por favor, o que a senhora sabe do Rio de Janeiro?
Silêncio constrangedor.
- E do Lula?
O mesmo silêncio.
Quanto ao Rio de Janeiro, é possível que a atenção dessa senhora do Arizona tenha sido despertada pelos recentes acontecimentos nos morros e favelas cariocas, com mortes e derrubada de helicóptero da polícia, que obteve repercussão internacional.
Um consolo: na vista do Museu de Artes da mesma Filadélfia, um segurança negro, de baixa estatura, ao saber que éramos do Brasil, mencionou:
- Oh, yes, Rio de Janeiro, samba.
Nada mais.
Digam o que disserem, mas sou meio “chegado” nos Estados Unidos, mas não voltarei mais por lá, salvo alguma grande “mamata” que surja do éter, até porque não aceito passagem área do Senado. Difícil, hem!?




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18/10/2009

O HOROSCOPISTA


Por muito tempo me diverti ao lembrar dum velho jornalista que conhecera tão de perto e que dirigia um jornaleco semanário que tinha lá seus encantos, porém. Eram aqueles tempos heróicos em que a composição era feita nas linotipos.

O velho jornalista tinha um perfil todo próprio: baixinho, desmazelado - diziam que meio avesso a banho - irreverente e desbocado.Tinha muitas manias: a principal era rolar nos dedos como se fosse uma bolinha de gude, um pedaço de chumbo que gravara texto rejeitado.

Certo dia resolveu que o seu jornal teria um horóscopo. Depois de muito procurar, não encontrando um horoscopista ou um astrólogo no lugar, resolveu que ele próprio, semanalmente, produziria o horóscopo. Semanas depois, o primeiro horóscopo foi publicado, assinado pelo estranho nome de "Monsieur Abidul - o astrólogo internacional", tudo muito bem feitinho e organizado, com os símbolos do zodíaco e tudo. E, assim, a cada semana, lá estava o horóscopo fresquinho, regendo toda a semana seguinte dos leitores. Mas, depois de um tempo, aquele exercício de horoscopista estava lhe dando cansaço e tédio porque passara a ser um compromisso inadiável. Havia o espaço a preencher. Já não agüentava mais "capricórnio, cuidado com amores inesperados, mantenha-se vigilante !", "virgem, prepare-se, você pode receber pequena fortuna !" e assim por diante.

Até que, no minuto final de fechar a edição, cheio de preguiça, manipulando nos dedos um pedaço de chumbo de gravação que saíra defeituoso da velha linotipo como se fosse um bolinha de gude, todas as previsões dos signos foram trocadas: as de touro, foram parar em virgem, de balança em câncer, de capricórnio em áries, de áries em capricórnio e assim por diante. E o horóscopo foi assim montado por semanas seguidas.

Numa manhã de segunda-feira – o jornal circulava aos domingos - o telefone da redação toca. A voz feminina pediu para chamar o horoscopista. O estafeta sonolento que atendera insistiu que o tal Monsieur não trabalhava no jornal.

- Como não? - já impaciente, a leitora. É ele quem faz os horóscopos!
Acordando como se levasse um balde de água fria, o estafeta tapou com a mão o fone e chamou o diretor:

- Diretor, tem uma mulher aqui querendo falar com o tal do Monsieur Abidul.
Meio surpreso no primeiro segundo, mais que depressa, estirou-se torto na cadeira, pé direito apoiado na última gaveta da mesa gasta onde se espalhavam as provas das páginas da edição do último domingo, afinando a voz, respondeu num sotaque misto de francês e inglês, tudo ridículo e risível:

- Bien, como posso ajudarr o senhorra ? Here é o Monsieur Abidul?

- "Seu" Abidul, suas previsões estão muito estranhas. Tenho certeza que no mês passado houve no meu signo um horóscopo idêntico ao de ontem. Minha filha leu o horóscopo de seu namorado, que é de leão com as mesmas previsões feitas para o seu próprio, de virgem, da semana passada. Como se explica isso?

Sem nenhum constrangimento, o diretor mantendo aquele sotaque híbrido, risos contidos à sua volta, respondeu marotamente:

- Oui, a senhorra. nunca ouviu dizerr que os astros e as stars se mexem no céu. Órra, os horoscôpos tem a mesma prrevison when os astros girram para o mesmo lugarr.
Ao que a mulher respondeu:
- O que gira é sua cabeça, Monsieur Abe... não sei o quê, seu charlatão! Seu sem-vergonha! - e bateu o telefone.
O diretor perplexo manteve por alguns segundos o fone na mão, boquiaberto, enquanto seus óculos de lentes riscadas escorregavam das orelhas suadas. Não pôde conter a ruidosa gargalhada que ecoou por toda a redação e oficinas. Mesmo não entendendo nada, todos riam alto como se a gargalhada do diretor fosse, por si só, uma grande piada.

Na edição seguinte o horóscopo deixou de ser publicado, com uma nota da direção do jornal simplória e curta no canto direito da primeira página: o astrólogo havia sido demitido porque "descobriu-se que era um charlatão".

03/10/2009

MEUS TEMPOS DE BULLYING











Cartaz do filme "Os Brutos também amam" (Shane)









Há tempo para tudo e tudo passa com o tempo. Essa frase de efeito me faz pensar em muitas coisas e até na palavra bullying que trata do fenômeno odioso da agressão gratuita que se dá no ambiente escolar e não só. Pequenas gangs ou valentões “elegem” alguns colegas de classe ou da escola e passam a infernizar suas vidas. Diariamente.

Bully, do inglês, significa brigão e como verbo, ameaçar, amedrontar. Então, seria ameaçando, amedrontando.

Nos meus velhos tempos de ginasial me deparei com essas situações. Vivi essa experiência odiosa.

Em algumas oportunidades fui vítima do bullying.

A que mais me lembro, refere-se a um sujeito sempre acompanhado de outros dois ou três, e fui eu o “eleito” para ser sua vítima. Era tapa na cabeça antes da entrada nas aulas e durante as aulas quando distraído o professor, rasteiras e por aí seguia. Por dias, semanas e semanas.

Era um tormento minha chegada à escola. Tinha lá os meus medos do que poderia ocorrer se eu reagisse.

Até que um dia, no limite do insuportável, ao se aproximar para mais uma das suas à minha chegada, eu o empurrei violentamente. Ele caiu sentado, sob o olhar perplexo dos seus colegas, na verdade, uma ganguezinha. Todos riram.

- A seu fdp. Te pego na saída, disse ele raivoso e envergonhado.
Aquela manhã foi de pavor. Rezava para que ele fosse embora.

Na saída, do lado de fora do portão, lá estava ele me esperando. Toda a classe sabia o que viria. Um espetáculo de luta livre ao ar livre sob o sol ardente.

Eu naqueles tempos difíceis usava sapatos com solado de pneu, pesados, pois.

Fomos para um terreno próximo com farta assistência nos seguindo entusiasmada.

Descobri naquele dia que sabia brigar. Meu sapatão brilhou solto. Rolamos pelo chão de terra e poeira e por fim, meu bullyinista levou a pior. Abandonou a briga.

Claro que essa contenda teve repercussão na escola. Senti-me por uns dias o “Shane” de “Os Brutos Também Amam”, filme da década de 50 até hoje emblemático.

O sujeito no dia seguinte, hematoma num dos olhos, não conseguindo nem mesmo disfarçar as dores nas pernas, disse que ia para a revanche mas sossegou, nunca mais se aproximou de mim. Nem sua turminha.

Peguei fama de bom de briga, nada a me orgulhar. Meu orgulho é nunca ter começado uma. Se já levei a pior alguma vez? Bem, não se pode vencer sempre...

Quero deixar este depoimento pensando no que se passa hoje até mesmo jovens dando tiros de revolver para "resolver" o bullying de que é vítima. E outros casos desse naipe e graves.

Há que serem apoiados aqueles que são vítimas do bullying. 

Vigilância permanente nas escolas para coibir a agressão física ou moral. E a atenção dos pais. Para os “eleitos”, é infernal cada dia e um pesadelo o dia seguinte, o dia seguinte, o dia seguinte...

Atenção dos responsáveis pelos sintomas desses transtornosw. A malvadeza hoje supera qualquer vilão.

E nada de imitar Shane porque as consequências podem ser graves, irreversíveis

20/09/2009

INTUIÇÃO DESVENDADA





(Igreja de Santo Antonio / Praça do Patriarca - SP)

Foto: Antonio Erivaldo - fotolog.terra.com.br/toninho:424)


Daqueles idos brilhantes que já tanto me referi, retorno minhas impressões, lembranças a uma professora de filosofia, que em algumas aulas no colégio, promovia um exercício religioso: abria a Bíblia ao acaso e incentivava os alunos participantes a ler um versículo. Em seguida pedia que cada um desse sua interpretação.
Dizia que a Bíblia tinha diversos significados, verdades que se intuem segundo o merecimento do fiel, mas em especial a vontade sincera em compreendê-la. Nesses exercícios bíblicos uma certa comunhão do grupo com o texto objeto de reflexão, poderia inspirar novas revelações.
Essa professora, juravam no colégio, pertencia a uma ordem religiosa católica. Quando perguntada, com aquele respeito todo, ela não confirmava e não negava, apenas desconversava.
Mas, a forma como se trajava e agia, sempre de vestido longo, cinza claro, na altura do tornozelo, sem pintura, cabelos lisos cortados pouco acima dos ombros, olhar brilhante e sereno num rosto redondo, rosado naturalmente, não negavam alguma ligação com uma qualquer ordem religiosa.
Naqueles exercícios, algumas derivações bíblicas iam eclodindo, transbordando, não decorrentes do exercício intelectual, mas da intuição, da interioridade. Existia naqueles momentos, um (in) explicável sentido de paz.
Sempre me lembro dela e de outros. Onde andariam esses expoentes? Ainda vivem?


Já disse que me desviei para correntes do ocultismo. Algumas dessas correntes incentivam, conduzem o adepto a encontrar na sua interioridade o seu templo e sua religião. Há alguns conceitos universais ou religiosos que dão as linhas básicas de conduta. Assumidas essas, à medida que o adepto se esforça, mais ele se encontra e mais ele renuncia a certos valores mundanos. A conjugação da auto-compreensão, com a renúncia a certos (des) valores vai levá-lo a identificar sua espiritualidade.
Mas, isso não é fácil, porque o dia-a-dia o coloca diante de imensos desafios mundanos. Que também se constituem valiosas possibilidades de progresso, se aqueles valores universais forem preservados como norma de conduta. Mas, na contrapartida, tende a fazer esquecer essa busca eminentemente religiosa e espiritual que estaria latente no âmago de sua interioridade.
Fica mais fácil, pois, frequentar uma igreja no domingo. Naquelas horas que ali passa, exterioriza o fiel sua busca pelo divindade, se apoia nalguma santidade, num exemplo. E interioriza certas vibrações das orações, das pessoas que ali estão, também, buscando uma melhoria pessoal ou religiosa.
Certa feita, um tanto intranquilo por alguma coisa que já não me lembro, voltei a uma missa católica. Saí muito mais confortado, principalmente pelo congraçamento que houvera entre os fieis.
Todas essas confidências que me encorajei a relatar, vêm a propósito da emoção que sempre sinto ao me deparar com pessoas em oração.
Normalmente, quando em São Paulo, para suportar a poluição e o cansaço adicional que ela provoca, tenho por costume, parar um pouco na Catedral da Sé e, na sua meia-luz, fazer um pequeno recesso, observando as pessoas que entram e saem. Outro dia, fiz isso na Igreja da Praça do Patriarca (Igreja de Santo Antonio).
Homens e mulheres, simples ou bem vestidos, entram, ajoelham-se ou não, oram diante de uma imagem ou no próprio genuflexório e se retiram.
Não importa o tamanho da imagem. O que importa é a busca da graça, do calor espiritual que o gesto, a oração piedosa podem produzir. São aquelas, as imagens, apenas símbolos que levam à religiosidade.
Quanto a mim, enquanto permaneço estacionado sem enveredar para minha autorreligiosidade pelos motivos mundanos que me deparo a cada dia – boa desculpa, hem? - alimento muita simpatia por aqueles que, no recesso de uma igreja, numa hora qualquer do dia, exteriorizam sinceramente a sua, sem exacerbações e exageros. Apenas um momento de reflexão e oração.
A propósito, já nem sei quantas vezes usei o trecho abaixo de uma poesia minha, cujo teor se perdeu. Vale mais uma vez para sintetizar o que quero dizer:


"A vida caminha pra frente
Sucedendo-se o dia-a-dia feliz ou triste,
Não há sequer uma garantia
Nessa seqüência de luta sem nexo (ou sadia ?)
Sinto que há nesse vai-e-vem
Valores interiores, superiores, sutis.
Como descobrir o que exprimem
Se os embates da luta me reprimem ?
Parece que essa luta sadia (ou doentia ?)
Não começa no sexo e termina na morte:
Há mensagens fortes nessa contradição
Que só a Alma silenciosa possibilita audição".

02/09/2009

ETÉREOS










(Imagem: borboleteando.blogger.com.br)



Fazer poesia, para mim, significa um desafio. Há momentos, raros, porém, que fluem elementos que me obrigam a produzir alguma coisa e, às vezes, dá certo.
Já disse um sem número de vezes que minha juventude foi (muito bem) vivida em São Caetano do Sul.
Com relativa proximidade à Serra do Mar, muitas vezes o nevoeiro que por ali eclodia, trazia algumas rebarbas na cidade. Em São Bernardo, havia dias em que a visão não alcançava além de cinco palmos, tal a espessura da massa branca.
Havia tardes de inverno, mesmo quando meio temperados, que o dia permanecia cinzento, com aquele vento frio que me levava a um sentido nostálgico, uma contradição, porque ao mesmo tempo uma fagulha de felicidade e alegria transbordava. Olhava para o céu fechado e me perguntava o que se passava comigo naqueles arroubos.
Tantos e tantos anos depois, não poucas vezes me vêm à mente aqueles momentos. Afinal de contas, hoje, mesmo não tendo muito a me queixar, o enquadramento da vida é diferente. Ela é dura de ser vivida. As indagações de agora e daqui para frente são nada além de desafios que me assaltam e se perdem sem resposta. Nada sei, pouco sei dessas transcendências.
E foi num dia assim, meio fechado, sem mais transmitir aquelas inspirações de outrora que escrevi ETÉREOS, num sentido de que a vida pode prosseguir mesmo quando já se chega, digamos, ao ocaso.
Etéreos é a que mais eu gosto.
A borboleta é a alma que busca nesses remanescentes, a inspiração para prosseguir absorvendo o que de bom resta para viver.



ETÉREOS

Nessa de desânimo
apatia
Não sei o porquê
de tal melancolia
(ou nostalgia?)
Desmedida

Sei não!
Cadê a Inspiração
os elementos Etéreos?
Clamo, pois, só, no (meu) deserto
Respostas não vêm
Ilusões não há (mais).

Miro margaridas murchas
(bem-me-quer, bem-me-quer!)
Que se preparam para semente
Sinto o sol...
mas não me aqueço.
Num momento, surpreso
confuso
Sinto o Etéreo, porém.

Uma manchinha azul
No éter
Vindo, chegando, esvoaçando!

Ora, uma simples...
Borboleta...azul!

Ela dança nos meus olhos
Solene, encantada, frágil
magnífica, rebrilhante...
E pousa, então...
na margarida
a mais desfeita
na gema amarela.
(apenas três pétalas ressequidas)

Apreendi logo
o valor da escolha...
Da borboleta azul
Etérea
tão tênue
tão efêmera
Bem vinda...

Porque na margarida
murcha
na gema
Ela sentiu a vida
(ainda)

Assim falava ela
a borboleta azul
Etérea
na minha nostalgia
(ou melancolia?)
Naquele dia...