03/07/2011

POEMAS, para não dizer que não falei de... (V)

(Estas composições são de diferentes épocas, lembrando que algumas ou todas já ilustraram crônicas neste Temas – agora nestas resenhas eu as tenho recuperado e compilado).


IMPOTÊNCIAS


Sereno, medito neste meu canto
Uma avenca aos trinta anos me encara
Orquídeas sorriem e olhinhos delicados
Miram violetas roxas com ternura e encanto,

Estanco surpreso com essa beleza
As multicores irradiadas à tépida luz
Nem mais haveria, porque elas exultam
Nesta plaga de recolhimento e singeleza.

Não me constrangeria se ali caísse em oração
Agradecido por aquelas existências reais
Sorrisos doces em oferendas, momentos de paz
Nestes tempos doentes, de guerras e destruição,

Transporto-me então para outra realidade, dura
Lá, tombam árvores, queimam-se florestas
O fogo desencadeia indescritível tragédia
Ceifando tudo, a vida, os bichos, a doçura

Exala de mim amarga tristeza e dor
Por clamar em silêncio, sem ouvidos
Ameaço gritar aos quatro ventos
Mas os sons se perdem em obscuro torpor,

Não reconheço esses ventos maculados
Sopram eles espíritos de tormentas assistidas
Neste fogaréu imenso de provações
Insensibilidades, ódios e odores desregrados,

Saberiam todos que este solo esgotado
Não haverá por muito como se refazer desses abusos
Apontando em riste e em lágrimas secas
Que pouco sobrará destes tempos abusados?

Resigno-me à minha impotência já tanto esquecido
Perante minhas poucas orquídeas, violetas e avencas
Intuindo no íntimo com angústia e melancolia
Que fenecem os tempos neste clima embrutecido.


COQUEIRO QUE DÁ COCO


Meu querido amigo coqueiro
Que plantei como anão
Hoje bate nas nuvens
Complicando a colheita aqui do chão
Você quebra as telhas
Engrossa o tronco gigante,
Assim, meu caro amigo
Que cultivei, vi crescer e cocar
Ficarei com você até não sei
Não pelos cocos às dezenas que devolve
Mas, a sua doçura líquida que me comove.



ANTIGA-IDADE, Antiguidade

Caminho olhando pra frente
Firme, busco compreensão sentida,
Dessa coisa que sacode ardente
Dessa centelha frágil chamada vida!

Mas, o que é isso tudo, afinal
Se a cada momento dado, há impostas
barreiras, desafios, sem prévio sinal?
Remexendo interiores, sem respostas?

Olho ansioso para o alto, então
Ouço a voz universal, tênue e piedosa
Sinto-me entre as estrelas, em solidão
Nada sei dessas luzes silenciosas!

Volto-me para mim, miro-me n’alma
Medito no todo dessa realidade (?)
Insisto em desvendar a centelha calma
Mas, apenas intuo que já vivo antiga-idade...


As outras compilações serão encontradas neste Temas nas datas seguintes com os respectivos títulos:

I – 09.01.2011
Ondas de vida
És jovem sessentão
Poeta beberrão
Presente, passado e futuro
Paixões

II – 31.01.2011
Orquídeas e beija-flores
Passado-presente
Antigo sim, velho jamais

III – 13.03.2011
Etéreos
Contradições e silêncio
Entardeceres

IV – 16.05.2011
Templo violado
Nu artístico
A noite


NOTAS

Inclui nas resenhas constantes do título “Dos livros que não consegui (ainda?) ler. E os já lidos” de 17.10.2010 comentários sobre o livro “O Presidente negro” de Monteiro Lobato.

Para lembrar: na crônica de 28.03.2010 comento e comparo duas obras importantes: “Madame Bovary e Anna Karenina. Duas personagens”, respectivamente de Flaubert e Tolstoi.


Imagens / fotos:

(1) pedranocaminho.blogspot.com
(2) Milton Pimentel Martins do coqueiro que inspira o poema
(3) Google

19/06/2011

AQUELES QUE RENUNCIAM

O assunto que trato hoje nestes Temas, alerte-se, é meio tabu ou por outra, não tem aquele final no qual implicitamente há uma moral, como a “a moral da história”. O desenvolvimento se inspira em fatos. Faz parte das minhas andanças por esses caminhos retos ou tortuosos.
Quero avisar que, depois de mais de uma centena de composições aqui publicadas, nem sei se há muito ineditismo ou repetições nesta. Lugar comum? Obviedades? Não sei.


1.
Certa vez, a um materialista / ateu absolutamente cético ou exibido, tendo diante de nós um corpo sem vida de um amigo comum, desafiei-o.
- Explique a diferença entre o Alcides deitado naquele caixão inerte e você aí de pé perplexo e emocionado. Considere que há uns dias, falávamos com ele no almoço. Hoje ele está lá, sem expressão, sem respiração, sem voz.
Ele apenas me olhou aborrecido e respondeu:
- É por isso que não acredito em nada. O que dizer daquela massa inerte que não durará muito para se decompor...

2.
É muito comum pessoas com alguma interioridade ao acordarem de um sono profundo, sentirem-se angustiados ao constatar que voltaram a ser regidas pela lei da gravidade, devendo carregar seu corpo denso, nesta morada meio sem sentido neste planeta tão desigual. Porque no sono, parece, a alma, o espírito ou o nome que se queira dar a essa luz que nos diferencia dos mortos, desliza no éter sem peso, com liberdade e com a velocidade do pensamento.
Quanto vezes, vi-me levitando num sono “real” e ainda por cima envaidecido por exibir esses meus “poderes”. No sonho!

3.
O retorno, pois, à luta terrena pode causar certo desconforto, mas há que lutar porque há uma música religiosa que proclama que “a vida é luta sem quartel”. Esse fenômeno que se verifica no momento em que se desperta, dá uma idéia entre a possível vida leve do outro lado e a vida densa deste lado, do lado que julgamos ter consciência de nós mesmos. De viver.

4.
São essas variáveis que nos fazem lutadores, felizes tantas vezes, esse sentimento que exulta e nos faz poetas. Mesmo que composições não ritmadas, sem rimadas e sequer escritas.

5.
Mas, há seres humanos que se fixam demais no peso da vida, no que ela pode ter de amargo, assumem a falta de perspectiva, que não absorvem seu limite ou que se sentem derrotados (assumem a condição de "perdedores", em oposição aos "vencedores", um conceito vazio no qual predominam os bens materiais nada a ver com as indagações profundas da vida e da individualidade de cada um). Ao acordarem, diariamente, se angustiam por mais aquele dia de vida consciente, tendo à sua frente menores desafios e mais amarguras sem causa que atormentam. A vida torna-se um fardo.

6.
A moça que conheci era inteligente, tinha boa postura profissional e cultura formal. Viajara diversas vezes para o Exterior.
Sua vida particular não fugia muito da média. Trabalhara em São Paulo, morando sozinha, visitava os pais quase que semanalmente e tinha bons amigos. Demonstrava alguma devoção religiosa, assistindo, normalmente, missa dominical.
No seu relacionamento profissional cotidiano, porém, mostrava-se insegura. Insistia em lembrar os tempos em que fizera teatro amador. Dai seus gestos teatrais, sua entonação de voz.
Somente depois de algum tempo, começou a se descontrair, embora, com alguma regularidade, revelasse momentos depressivos, um estado que não se afastava muito de qualquer um de nós.
Certo dia, imaginando que bem me situava na vida profissional me perguntou:
- O que você está fazendo aqui, essa perda de tempo?

7.
Certo dia, soube que ela resolvera mudar sua vida profissional. Aceitara proposta de trabalho de volta em São Paulo que possibilitaria um convívio num outro ambiente mais "inteligente" no qual se dera melhor no passado.
Tempos depois, por razões de mercado de trabalho, fora ela demitida. Ficara desempregada, frustrando todas suas expectativas.

8.

Meses mais tarde, nas vésperas das festas de fim de ano, período em que a solidão bate forte porque o espírito natalino pode não ser apreendido por aqueles angustiados, tomando um velho revólver esquecido, carregado parcialmente, mirou-o contra o próprio peito, apertando o gatilho.
O tiro fora fatal. Atingira o coração. Nos segundos que se seguiram até sua morte, às pessoas que vieram em seu socorro, disse tenuemente que se arrependera e de que não queria morrer.
Apenas um momento de irreflexão, conduziu-a a um caminho sem volta.

9.
Tal gesto, mesmo que num momento de amargura e dor, exige uma imensa coragem e renúncia porque a viagem ao desconhecido tivera a hora antecipada e, sobretudo, uma atitude antiautopreservação.
O instinto de defesa é anulado, sobrepondo-se o sonho e a esperança da leveza e do encontro com divindades, num mundo no mínimo não tão denso e amargo como o seu. Por ruim que fosse, certamente seria melhor do que a vida vivida.

10.
Nesses casos, sempre me pergunto: que tipo de vozes interiores ouve o suicida no exato momento em que age contra a própria vida? Que vozes tão eloquentes são essas que suplantam o instinto primário da preservação? Se, ao longo da vida, somos preparados para a morte natural, aí incluída a acidental, quais os efeitos do suicídio no exato momento da passagem para o outro lado da existência?

11.
Essas perguntas, ao longo do tempo, têm me afligido muito.
Para os que acreditarem na doutrina, as respostas podem ser encontradas na literatura espírita (especialmente o livro psicografado "Memórias de um suicida" *) e mesmo espiritualista. Todas elas concordam que o suicida atormentado, ao chegar nesse plano, passa pelas mais terríveis experiências, por imensa dor, pois que fugira da luta, abreviara sua estada voluntariamente, interrompera um ciclo de tarefas às vezes por motivos fúteis, incompreensíveis. Destruíra sua própria morada.

12.
Nesse plano, dizem os espiritualistas, a marca da renúncia à vida perdura por longo tempo até que volta o suicida a ser admitido numa escala menos atribulada de aprendizado. Esse gesto extremo, explicaria as grandes anomalias e doenças físicas de certas pessoas, que são submetidas à lei da causa e efeito na reencarnação seguinte.

13.
Na limitada compreensão que tenho (temos) da vida, tudo parece muito injusto e triste. A Lei de Talião aplicada. Mas, esses eventos não podem, ou não devem ser tomados nos limites de uma existência ou nos poucos anos de uma vida. Há uma transcendência que martela, martela e quanto a mim, me conduz a admitir a explicação da reencarnação. Porque, "com a morte, não se perde nada daquilo que a alma adquiriu. As experiências que o homem fez nas vidas passadas, tornam-se instintos e incitam-no ao progresso, até inconscientemente" (cf. "Bhagavad Gîtâ").

(*) “Memória de um suicida”, psicografada pela médium Yvonne do Amaral Pereira (Federação Espírita Brasileira).
Ver crônica de 03.04.2011 o pesadelo de local inóspito, embrutecido: "Alucinações, sonhos(?!)"

Imagem/ fonte: Sociologando.wordpress.com (Google)

ESPECIAL

J.C. Bach - Prelude III in C# Major Book I
Piano: Silvio Pimentel Martins

12/06/2011

LEI DE MURPHY: CARRO "ANTIMILITAR"

Esta crônica não e nova mas eu a divulgo porque o relato é verdadeiro e curioso. Fatos como este, havia alguém que qualificava como "maldade das coisas inanimadas."


"Lei de Murphy" como popularmente conhecida: "Se alguma coisa pode dar errado, dará. Dará errado da pior maneira, no pior momento e de modo que cause o maior dano possível".

A comprovação dessa "lei" ocorreu numa indústria automobilística (Chrysler), naqueles tempos em que o civil "batia continência" até para soldado raso do Exército.

Numa bela manhã, eis que foi anunciado pela administração que um grupo de militares, comandado por um general, visitaria a fábrica "dois", isto é, a filial, que contava em suas instalações, com uma área "suja", digamos assim: uma fundição antiga. No seu recinto havia muita poeira em suspensão, calor e ruído.

Talvez por isso despertasse alguma curiosidade, porque os fornos imprimiam ao ferro derretido aquele vermelho vivo, solar que, ao descer para as formas dos blocos do motor ou virabrequim, rebrilhava ameaçador lembrando as lavas de um vulcão miniatura descendo pelas encostas. Essas operações eram realizadas e presenciadas diretamente "na fonte".

Claro que a recepção fora cuidadosamente preparada. O melhor automóvel foi lavado e perfumado. De porte grande, um Charger RT (“O lado emocionante da vida”) com motor potente, de excelente qualidade, testado milhões de vezes em outros veículos na matriz americana, embora um sacrilégio na época pelo seu alto consumo de gasolina, mesmo com a crise do petróleo sendo já então amenizada.

O carro estava pronto para conduzir os militares à fundição. Ao seu lado, foi posto um carro menor (um Polara), mais popular, também lavado, apenas como reserva ou para atender algum visitante ou acompanhante que não coubesse no outro carro.
Encerrada a reunião, com troca de amabilidades, "abobrinhas", salgadinhos e água, chegou a hora da visita à fundição.


O diretor da fábrica, sujeito exigente, pôs-se a enaltecer merecidamente as qualidades do carro, como bom vendedor que (também) era.
Todos entram no veículo de luxo.

Aciona-se a partida e ela falha. Novamente e nada de pegar. Depois de uma dezena de tentativas, o gerente da fábrica abandona o carro renitente, constrangido, furioso e, naquele seu olhar homicida, busca algum culpado pelo vexame. Não havia culpados.

Resignando-se, perguntou a um funcionário próximo se o pequeno carro do lado estava apto para conduzir parte da delegação até a fundição. Obtendo resposta positiva, sem vacilar, convidou seus visitantes a embarcarem e lá foi ele dirigindo o carrinho.

Tirando o enguiço do carro de luxo, a visita fora normal. Enquanto esta prosseguia, não havia meios de fazer funcionar a partida do carrão. O mecânico olhava para o motor como se fosse a própria esfinge. Pensava-se em rebocá-lo à oficina mecânica para ser consertado. Ao fim da visita.

Mais algumas amabilidades e uma hora depois os militares foram para seu quartel.
Assim que transpuseram a portaria, na última tentativa de acioná-lo antes de ser rebocado para a oficina, eis que o carro pegou ruidosamente, emitindo aquele som cadenciado de motor a qualquer prova.

Todos, perplexos, não tinham explicação para a peça pregada pelo carrão.
Alguém, já que todos se divertiam com a gafe, completou com ironia:

- É que a lei de Murphy é irrevogável. É um verdadeiro Ato Institucional. E até os milicos a cumprem ! Na "marra"!

05/06/2011

A ESTAÇÃO DE TREM E SUA LUZ



Nem devo explicar como é que, por cerca de um ano, me obriguei a frequentar uma velha estação perdida nos trilhos da Santos a Jundiaí.
Quantas vezes me vi sozinho porque, por uma qualquer razão cheguei mais cedo na sua velha estrutura e por muitos minutos me vi só na sua plataforma, sua construção antiga, pintada de marrom terra, dando aquele sentido melancólico do tempo passado, do tempo perdido no tempo.
Nessas vezes em que chegava mais cedo, acomodando-me no velho banco desgastado de sempre, com aqueles pés de ferro trabalhado, pesado, não conseguia me livrar da luz que provinha daquela lâmpada instalada num candeeiro muito antigo, sem graça, sem métrica, sem poesia.
Mariposas se encantavam com a luz naquelas horas da noite e, quanto a mim, um facho dela, insistente, em linha reta ligava-se aos meus olhos míopes.
Aquele rebrilhamento que me incomodava um pouco mas que parecia dialogar, me consolar
- O que o fez chegar nesta lonjura? E aqui estar só, emprestando os meus raios? A sua sorte é perseverar.
Pouco antes de o trem chegar, depois de algum tempo, estação com mais passageiros àquela hora como todos os dias, olhava para a luz sem entender o que alcançaria quando não mais voltasse àquela estação envelhecida, sem atrativos, uma lâmpada fraca, desprotegida que falava comigo...ou eu com ela?
Embarco para o retorno. A composição estava vazia, Me acomodo num banco cujo estofado de espuma de borracha ao lado se soltava do assento. Fora cortada por gilete ou por algum instrumento semelhante, esses vândalos que por ali se acomodavam no sofrimento da madrugada ao começo da noite com a marmita de seu almoço trivial, por lavar, escondida na mochila.
Mesmo com alguns amigos por perto na estação, sabia de minha solidão e que teria que reagir a partir do momento em que nunca mais voltasse à estação e sua lâmpada mágica.
No vagão onde embarcava, algumas vezes o mesmo, ostentava externamente, próximo da porta, bem desenhado, em romanos, o número XXI.
Chamou-me a atenção o 21 porque certa vez meu pai dissera que queria viver até o ano 2000 para se certificar de tudo o que a humanidade enfrentaria. Faleceu em 1987.
Tão distante dessa data na minha vida, principalmente nestes tempos da estação antiga, como pensar no século XXI que os muitos profetizavam o fim do mundo: “de mil passou, de dois mil não passará.” Como será o século XXI? Onde estarei, como estarei?


Mais uma vez o trem chegou à minha estação de desembarque. Desliguei-me dessas reflexões prematuras e segui para casa para o jantar tardiamente, comida requentada.
Amanhã tudo de novo, de novo...


Mais tarde, na metade da década de ouro de 60, vive minhas glórias estudantis e, a despeito de tudo, felicidades

XXI: Minhas angústias por tudo o que vejo. Parece que a humanidade, nunca estará totalmente em paz – não tem essa índole -, predadora, caminha para a tragédia.
A maioria, sim, rejeita esses tempos de obscuridade, mas a minoria insana, implacável, tem predominado na sua insanidade.
Há os que profetizam que esses tempos trágicos, de 2012, dezembro, não passaram.
A volta à estação...


30/05/2011

SETE PECADOS CAPITAIS / INVEJA




“Pecados e pecadilhos” já publicados
20.02.2011 – Luxúria
16.01.2011 – Preguiça
03.01.2011 – Avareza
26.12.2010 – Gula (nesta crônica foram dadas explicações e informações da origem dos "sete pecados capitais"
)



"Também vi eu que todo o trabalho, e toda a destreza em obras, traz ao homem a inveja do seu próximo. Também isso é vaidade e aflição de espírito." (Eclesiastes, 04-4)


Sempre que possível para esses “pecados” valho-me de minha experiência pessoal para quem já viu e vê tanta coisa neste lapso de existência em que vivo e sobrevivo. Não esperem um tratado filosófico sobre a inveja, apenas o sentimento dela. Nela, incluo o ciúmes pelo êxito de outrem e tudo o mais de inconformismos do indivíduo que não reflete sobre o seu próprio lugar.
De todas as definições ou um sentido de objetividade para a inveja é aquela inscrita em inumeráveis para-choques de caminhões, reflexo da sabedoria popular autêntica: “A inveja não mata mas maltrata.”
Às vezes, mata!
Tenho para mim, que trabalhei por décadas na indústria automobilística, é nesse âmbito que a dor da inveja se manifesta de modo bastante eloquente. E por quê?
Porque é dentro da indústria que se dá a competição saudável ou não entre os concorrentes, a terrível “dor de cotovelo” daquele que esperava uma promoção e foi preterido. O desgosto de ter como superior hierárquico exatamente aquele com quem competia e até subestimava. “Apenas porque bajulava de modo mais eficaz”.
É ele agora que participa das reuniões superiores e terá o preterido que esperar as novidades provindas do seu ex-“adversário”, agora seu chefe.
Como essa situação constrange, magoa! E não há meio de contornar. Amanhã de manhã o preterido haverá que chegar ao seu posto de trabalho e esperar as ordens de seu novo chefe que lhe fora imposto “goela abaixo”. Ah, a manutenção do emprego, do carro, do pagamento das contas, da casa, da família!
Eu me deparei, sim, com situações dessa natureza.
O colega, mesmo expondo ocasionalmente algumas bobagens cotidianas tinha um talento especial para a tarefa gerencial. Coisa que eu não tinha muito. Eu sobrevivia mais pela eficiência do que pela aparência, da média. Mas, o que fazer? Do ponto de vista da empresa, esse parceiro, ERA MELHOR DO QUE EU. Eu demorei em reconhecer essa realidade a despeito da influência que direta ou indiretamente produzia ele no todo do departamento. E nesse meio tempo, o meu constrangimento e amarguras demoraram muito para serem superados, se é que foram.
A inveja, no meu conceito, também se dá, pela desconsideração, pela subestimação gratuita entre as pessoas.
Uma manhã, eu estava naquele estágio mental de ter visto o “passarinho verde cantante”.
Em estado de graça, estava postado na porta da minha sala de trabalho na empresa Chrysler, em São Bernardo do Campo.
O pavilhão do departamento estava um pouco abaixo do nível do piso, tanto que de vez em quando, nas chuvas fortes, havia invasão das águas pluviais em toda a sua área.
Logo à direita, por isso, havia uma pequena escada, com dois degraus.
Um daqueles funcionários se bem me lembro da área comercial da empresa, geralmente onde trabalham os mais soberbos, me encarou com aquele olhar torto do deboche, provavelmente me qualificando mentalmente como um sujeito naquele nível dos dois degraus abaixo. Um bullying mental.
Eis que, no primeiro degrau ele escorregou, tropeçou e o tombo inevitável se deu forte à minha frente.
Ele se levantou, talvez dolorido, me encarou perplexo, envergonhado e mais do que depressa saiu dali.
Essas coisas inexplicáveis irradiadas pelo éter, nesse lapso invisível sem espaço.
A inveja...


Imagem: desenho do artista João Werner que não o intitulou como representação da inveja. Mas, achei que a forma do desenho diz alguma coisa sobre ela.

24/05/2011

“A CIÊNCIA DO NÃO” (Segundo Malba Than)

Nessas folgas de leitura, entre ler a literatura densa – como há pouco se deu com a leitura de “Os Sertões” – procuro velhos livros que provieram não sei de onde, estão na minha estante e os vou lendo ocasionalmente.

Um desses é de Malba Tahan, velha edição da “Coleção Saraiva” sob o título “O Terceiro Motivo (Contos e Lendas Orientais)”. O conto principal é esse que dá nome ao livro embora inúmeros outros contos façam parte do pequeno volume. A edição é de 1962. Alguns desses contos são cheios de moral (do tipo “moral da história”), de ensinamentos e até um pouco de esperteza.

Eis como descrevia o escritor brasileiro, Júlio Cesar de Melo e Souza (*), que adotou o pseudônimo acima, Malba Than a antiga ou imaginada Bagdá de uma época indefinida:

“Vamos partir, hoje mesmo, ó irmão dos árabes, vamos partir ao passo lento de nossa caravana, tomando o rumo da majestosa Bagdá, a pérola do Oriente.
Como é formosa a rica, hospitaleira e boa, a gloriosa capital do Islã! Admiremos, com a veneração sincera dos crentes, as suas mesquitas opulentas: percorramos as suas praças alegres movimentadas: visitemos os seus mercados, fervilhantes de vida, onde se reúnem xeiques e lojistas dos quatro cantos do mundo.”


Ah, esses sonhos, esse tempos de paz, quando ela era querida. Depois, a cidade se transformaria num campo de ódio e de batalha, porque há os que não querem a paz e menos ainda o retorno de Bagdá aos tempos da “pérola do oriente”.

Mas, essa violência não é exclusividade do Iraque. O planeta esta doente. Parece que, no conjunto, a humanidade não quer a paz – não vive sem a violência que se expande.

Aqueles que me honram com sua presença neste blog, talvez saibam que num outro, escrevo sobre assuntos indigestos, políticos, sociais e o que mais me aflija no momento.

O trecho do livrinho de Malba Tahan que transcrevo abaixo talvez estivesse melhor situado nesse outro blog, mas trago o assunto para este e, quem sabe, proximamente eu o aproveite naquele.

Trata-se da “ciência do não”. Eis como fora ela exposta. O trecho transcrito é longo mas vale conhecer:

“- A Ciência do Não, ó Príncipe do Islã, envolve leis, princípios e teorias que exprimem preciosos conhecimentos para aqueles que desejam governar com critério e dignidade.
- E é muito antiga essa Ciência? – inquiriu o Califa de Bagdá – esboçando um sorriso de benevolência.
- Antiquíssima – atalhou o sábio Zeidan, num gesto afirmativo, ostentando saber, - Tal ciência acompanha o mundo e os homens desde os primeiros albores da criação. A palavra “não” é obra propriamente divina; foi inventada por Deus. Ao primeiro homem, o nosso pai Adão, ainda entre as sombras deliciosas do Paraíso, o Onipotente prescreveu: “Não comerás do fruto daquela árvore!” e, nessa proibição categórica, já tinha início, bem viva e palpitante, a formidável Ciência do Não! Dos dez mandamentos da lei de Moisés (mandamentos ditados milagrosamente no monte Sinai, por Deus Criador), sete começam pela negativa absoluta: Não. É sempre útil recordar as determinações imutáveis do Decálogo: “Não pronunciarás em vão o nome do Senhor, teu Deus”, “Não matarás”, “Não cometerás adultério”, “Não furtarás”, “Não levantarás falso testemunho”,”Não desejaras a mulher do próximo”, “Não cobiçaras as coisas alheias.” (...)


“E assim o Príncipe, para a defesa do erário, para resguardo mesmo do seu bom nome, vê-se forçado a dizer vinte mil vezes. Não! Não! Não! (...) Proferir não é, em geral, bem mais difícil do que responder sim. E governar, ó Comendador dos Crentes, governar é dizer não. Não, para aqueles que planejam guerras e conquistas. Não, para aqueles que solicitam criação de cargos inúteis ou promoções iníquas. A Ciência do Não é, pois, imprescindível para a cultura do verdadeiro Rei! Repito – Governar é contrariar, é proibir, é vetar!”

Agora pergunto: QUAL PAÍS QUE VOCÊ CONHECE NO QUAL A PALAVRA GOVERNAR É SIM? Adivinhou, hem!


(*) Nascido no Rio de Janeiro de 06.05.1895 e falecido em Recife em 18.06.1974.

Pequena Nota

Na crônica “Dos livros que não consegui ler (ainda). E os já lidos...” de 17.10.2010 faço resenha e comento os livros seguintes, entre outros:
“Os Sertões" de Euclides da Cunha
"Grande Sertão: Veredas" de Guimarães Rosa
Autor Friedrich Nietzsche
"Ulisses" de James Joyce
"1984" de George Orwell
"Admirável mundo novo" de Aldous Huxley

16/05/2011

“POEMAS”, para não dizer que não falei... (IV)

Alguns poemas já divulgados em crônicas neste blog, escritos em épocas muito diferentes e distantes.

TEMPLO VIOLADO




Pelos recantos fechados da floresta,
Atuam Espíritos cultivando flores
O portal místico decomposto em cores,
Pelo sol enfeitado por estreitas frestas.
Um Templo sob azul e límpida nascente
Permitia saciar n'Alma adormecida,
Inspiração profunda no mundo perecida
Intuindo orações de elevação crescente.
E assim, naquele ambiente purificado
Buscavam consolo e amor, desiludidos
Palavras interiores de paz, esquecidos,
Ali o filósofo apreendia a magia do iniciado.
Haveis que instrumento de trêmulo corte,
Trepidando fio, avançando duro e feroz,
Fez do Templo nada, senão estalo atroz
Num dia em que ao céu clamou a morte.
Que delírio insano ocorrera, porém ?
Na inscrição berrante anunciava tal torpeza:
"O progresso derrotara, forte, a natureza"
Restara então, do Templo, nada mais que desdém.


NU ARTÍSTICO


Estanco na figura nua
Mulher linda, perfeita
O clamor da beleza pura
Que a refinada obra acentua.

Fixo-me nas reentrâncias
Nos picos e declives espessos
Penso num abraço
Num beijo ardente à perfeição
Mas, ela ali não vive
É pura inspiração.

Não é ela real, pois.
Uma miragem é o que vejo
O artista que a obra fez
Assim graciosa e linda
Instiga o solitário desejo.
Reajo a tal beleza inatingível
Fixando-me ainda na imagem
Vingo-me, assim, jocoso, então,
Rio de piada antiga:

Senhora com decote revelador
Lindos seios à mostra, encantos
A marca selada da mulher,
Pergunta ao dançarino fogoso:
- Sabes dizer os atributos da mulher
De que mais lindo ela tem?
- Sei-os, senhora, mas não direi...



A NOITE


A noite tudo encombre:
o sono da criança
os beijos dos amantes
o sonho da alma nobre...

A noite é decantada:
é a musa do poeta,
é o repouso da saudade,
é o descanso da passarada...

A noite é temida:
nela tristes seres cantam,
dança a deusa d’água,
triste se torna a vida...

A noite muito inspira:
escondem os namorados,
doces se tornam os lírios,
a vida em silêncio aspira...

A noite é mística:
nela os fiéis oram,
nela a esperança renasce,
nela o filósofo pratica...

A noite é estranha:
ela esconde os ódios,
encobre a beleza,
desaparece a vergonha!

A noite tudo encobre

Foto da noite, de Milton Pimentel Martins

08/05/2011

FRAGMENTOS MATERNOS

Explicação: eu escrevi uma crônica “autobiográfica” (“Fragmentos Paternos” de 13.02.20110) sobre meu pai que, para minha surpresa tem sido muito acessada. Surpresa porque há outras melhores que se perdem esquecidas nas páginas que compõem este blog. Aliás, este blog, por tudo, pelo seu resultado, é uma surpresa.


Falarei, pois, de fragmentos de minha mãe, episódios que se perdem na memória, porque o tempo implacável, como é, desbota imagens e ternuras.
Minha mãe fora criada por madrasta de quem não guardara boas recordações. Aprendera a ler praticamente sozinha, naqueles idos de educação limitada, naqueles idos em que o homem não tinha lá muitos compromissos com a formação – meu pai era guarda-livros, porém - e as mulheres menos ainda. Claro que em determinados segmentos sociais a educação era importante.
Talvez não tenha muito que contar, porque todas as mães têm aquele mesmo sentimento de amor, ainda que reservado.
Foi esse o caso dela. Sofrera demais pelo alcoolismo do meu pai – naqueles idos que alcoólatra era vadio -, houve períodos em que ela praticamente administrou a casa, entre choros e esperanças de que o marido viesse sóbrio naquela noite.
Se não viesse, sua angústia ia ao extremo, sua amargura de tantos e tantos dias, meses, anos...voltava e dava um nó na garganta mais uma vez. Dos soluços ao choro copioso.
Sua ansiedade incontida na iminência de comprar a casa onde morávamos – como relatei na crônica “Fragmentos Paternos”.
Nos bons momentos o amor estava presente.aquele sentimento de ternura revelada, sim, mas sem ser expansiva, só aparentemente distante pelos seus desgostos. Tudo isso me influenciou. Aliás, tudo isso me influenciou de um modo indelével.
Por essa ordem, eu também assim agi, de certo modo, com meus filhos e há os que reclamam.
Com minha mãe por perto tive toda a liberdade para brincar, andar descalço pelas ruas, andar de bicicleta, tomar chuva, jogar bola nos campos enlameados, fazendo química no meu “laboratório ideal”, cuidando do quati enquanto esteve aos nossos cuidados. Liberdade sem medo.
Fora ela muitas vezes chamada no colégio para ouvir recomendações e alertas da diretoria sobre minhas “aprontadas” e indisciplinas.
Mas, nada que a envergonhasse, nada.

Seus cuidados com as plantas, com os cachorros tão amorosos naquele quintal que continha além de videira num caramanchão que não dava uva, apenas uns cachinhos mirrados, também pé de tomate “japonês” e uvaia.
As bananas miúdas das bananeiras no fundo do quintal que ela convertia em bananada jamais imitada.
Que lembranças doces!
Quando mudei do ABC e ela também, com a viuvez, meus contatos, além de visitas periódicas, por anos a fio, foram aos domingos, pelo telefone.
Com o passar dos anos, ela percebeu que sua mente já não respondia ao que pretendia transmitir e isso a fez perder a vontade pela vida. Sabia tudo o que enfrentara. Pouco mais a frente deu-se seu passamento.


Uma mulher corajosa, bondosa, que faz parte da minha interioridade, da minha vida. Dona Cila.





Fotos:
(1) A avenca foi plantada por minha mãe e está conosco há cerca de 30 anos;
(2) Tempos sem registro na memória

01/05/2011

O QUE ESTOU VENDO NESTES TEMPOS DESREGRADOS

Sobre o que se passa em nossa volta neste planetinha cada vez menor já me posicionei muitas vezes.
Em pleno século XXI ainda não criou o homem juízo. Pensa em termos imediatos, promove guerras sem causa – salvo em nome do poder efêmero - destrói o planeta sem medir as consequências, ignorando o futuro dele e dos seus descendentes.
Já não bastassem semelhantes não tão semelhantes, assassinos e violadores (sociopatas criminosos)!
O predador é assim: tudo tem um valor econômico e esse valor se sobrepõe aos valores “espirituais” de uma floresta, ou de um riacho límpido. Estes não são mensuráveis. E lá se vão as margens devastadas que se deterioram nas cheias, afetando sua vazão.
Muito se devastou nos Estados Unidos. Milhares são as casas de madeira...
Entro numa igreja qualquer, aqui como lá ou na Europa e constato, no seu acabamento e nos milhares de bancos reservados aos fiéis quanto de florestas foi predada ao longo dos séculos.
Mas, é por aqui que ainda temos a grande floresta Amazônica que tal qual ação de formigas cortadeiras implacáveis vai sendo dizimada. É daquelas matas que se expande o fluxo da umidade pelo continente influenciando o próprio clima da Terra.
E o seu reservatório de água? Há os que se assustam com a conversa velada de sua internacionalização por conta da sobrevivência do planeta, num futuro. Essa revolução pode amadurecer à medida que aumentarem os desertos e se dê a escassez de água em regiões maiores.
Bem, é como somos irresponsáveis no cuidar desses recursos, como se fossem estrume de gado e não essenciais à vida!
Aumentam os desastres naturais não só aqui nestas terras mas no planeta e se fossem enxergados não como "causas naturais”, mas aquela questão de "causa e efeito", a mão do homem e sua insanidade inconsequente seriam identificadas na maioria dos casos.
Mas, quem nisso acredita?

Um poema, mesmo sem rima como é o caso desse abaixo, tem a virtude de permitir a inserção de simbolismos, numa medida importante – na denominada liberdade poética - embora possa exigir alguma reflexão do esforçado leitor. Chamarei de

TORMENTAS










Deparo-me inebriado
Na fronte da orquídea multicolor
Desligo-me do meu tempo
Do que me afronta o mundo,
Sinto elementos sutis, superiores
A contemplar – e contemplo!
Por um instante, uma fração
Sou sacudido por estampido
Há algo de tenebroso acontecido...
Volto-me para o alto – céu límpido
Não há tormentas anunciadas
Pássaros esvoaçam, me acalmam,
Cheiro de enxofre e dor se expandem no ar
Logo adormeço no pesadelo que vivo,
Deu-se a derribada da velha paineira


Florida e chorosa


Deu-se um tiro no peito do seu algoz
Que tomba no instante do estampido
No chão, no choro misturam-se sangue e resina
Mistura de dor e ódio!
O que mais terei que ver?
Nestes tempos dolorosos?
Serei um desiludido pessimista?
Ou um alienígena no meu tempo?
Não sei, volto-me para a orquídea
Linda, irradiando beijos
Tento esquecer o instante do mundo
Mas, ele está logo aqui, agora
Envolto na orquídea,
Envolto em mim!