30/10/2011

ONDE ESTAVA DEUS?

Esta crônica já publicada em outros espaços, até mesmo no meu “Artigos” um blog no qual exponho minha face de zanga por tudo o que vejo em minha volta, não concordo e me revolto (já disse, a minha “face 2”). (1).
Quantas vezes vacilo me questionando o que espero dessas minhas opiniões irresignadas. Mas, quando chega o fim de semana ou uma hora qualquer de alguma reflexão resisto à preguiça e escrevo, se não para ninguém, pelo menos para mim. (2)
Lá fora o meu deserto. E esbravejo.

Volto à crônica. Ela se identifica com este “Temas”, bem mais acessado que aqueloutro.

No imenso “Guerra e Paz”, Leon Tolstoi, ao descrever a barbárie das batalhas de conquista de Napoleão – o romance é todo centrado na invasão à Rússia – defende que também a História não se rege apenas pela só ação do livre-arbítrio do homem, mas por certas leis imperceptíveis. Daí para a História, diz ele, “também é necessário renunciar à liberdade da qual temos consciência e reconhecer uma dependência que não sentimos” e que a História não investiga os “elementos homogêneos, infinitesimais que conduzem as massas”.
Essa crença do autor russo é preocupante ao indicar que os horrores da guerra teriam uma causa transcendente, além das meras “causas imediatas e próximas” como adota a História nos livros para explicar as conflagrações.
Há tempos, vinha meditando sobre tais ideias e me perguntava o que diria Tolstoi sobre a ascensão de Hitler e do nazismo na Alemanha que além das conquistas territoriais, patrocinaram a matança de milhões de judeus – um povo que provém dos remotos tempos bíblicos - algumas minorias e milhões de soldados e civis também vítimas do conflito sem contar a gigantesca destruição de cidades inteiras.
Há uns anos, indagações surpreendentes fez o Papa Bento XVI ao visitar o campo de concentração em Auschwitz, Polônia, local de extermínio e tortura nazista onde exalam os horrores do sofrimento a maioria judia:
- “Onde estava Deus naqueles dias? Por que ele se manteve em silêncio? Como ele permitiu essa opressão sem fim, esse triunfo do mal?” perguntara o papa. E acrescentaria ser “impossível adivinhar o plano de Deus.”
Esse desabafo papal, digamos assim, incomodou-me porque me levara de novo às ideias de Tolstoi. O horror nazista não fora, então, a mera expressão do livre-arbítrio de um louco que convenceu quase um país inteiro do acerto de suas ações criminosas e, pior, amealhou adeptos até mesmo fora dele? Quais leis conduziram, então, a mão assassina do nazismo?
E as bombas atômicas americanas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki em 1945 que decretaram a rendição do Japão sob os efeitos de escombros inimagináveis e milhares de mortos? “Impossível adivinhar o plano de Deus”, disse o Papa.
Há um livro que me impressionou, “Mistério e Magias do Tibete”, de Chiang Sing que me levou mesmo a escrever, com base em revelações trazidas na obra, artigo de natureza política explanando sobre a invasão chinesa naquele país.
Essa autora se aproxima de Tolstoi ao revelar que as Divindades “quando a Humanidade estaciona e é incapaz de evoluir de acordo com as leis do Amor” abre a jaula onde mantidos espíritos maléficos, “potências das Trevas”, que encarnam entre os homens: “São elas que fazem as guerras, que desencadeiam os crimes e as baixas paixões, os déspotas e perseguidores”. Nessa jaula estão os Herodes, os Atilas, os Neros, os papa perversos, “todos os que oprimiram e ensanguentaram a terra.” (3)
E eu incluo Hitler nessa súcia.
E nesse passo, “quando a Humanidade para no meio do caminho evolutivo, é preciso sacudi-la, agitá-la, como se faz com um rebanho indolente.” E como decorrência, instala-se o pânico universal por conta “dessas almas más” e “então, a evolução se precipita, os fracos morrem, os fortes lutam e alcançam a evolução”.
Há aqui que se fazer concessões à doutrina reencarnacionista.
Olho para as estrelas à noite e constato a minha pequenez, a pequenez do planeta e me recolho sem pensar nessa imensidão celeste, algo como um primata do início da evolução que não entendia sequer o fogo e a água. Entendo hoje?

As fotos do supertelescópio Hubble dão a dimensão artística do universo. O que mais nos resta dessa imensidão insondável que não seja a ignorância?

Acho que nessa nossa pequenez mental, olhando para o chão, ciscando, desrespeitando o equilíbrio do planeta com a devastação ambiental impiedosa que se processa, pode significar por conta dos denominados “fenômenos naturais” cada vez mais destruidores, gradual depuração.
E então, não há como invocar Deus pelo que advier daí: “Onde estava Ele?”.
Melhor: “Onde estamos nós hoje neste mundo pequeno que estamos devastando de modo implacável, irresponsável, lançando sem cessar, por essas ações, tal qual bombas com seus efeitos irreparáveis. A linguagem que prevalece acima de tudo é a do dinheiro, da corrupção, do egoismo. Por isso, não precisamos que novas "potências das trevas" sejam desenjauladas. De modo inconsequente estamos fazendo o seu papel.

Referências:
(1) Meu blog “Artigos” de 12.10.2009 e também no www.votebrasil.com
(2) “Preguiça” – “Sete Pecados Capitais” de 16.01.2011
(3) “Tibet: o que teme a China” no meu blog “Artigos” e no www.votebrasil.com. de 16.04.2009. V. também “Mistérios e Magias do Tibet” 27.02.2011

Fotos /Imagens
(1) Google
(2) Hubble: "Pillar of creation"
(3) Fottus.com/sem-categoria/apocalipse

02/10/2011

O VÍCIO DE FUMAR (De quando o médico foi a vítima)

Não serei condescendente!
Muitos são os fumantes que atribuem ao cigarro que sustentam entre os dedos indicador e médio, amarelados pela nicotina, mero “habito de fumar”. (*)
Por favor, que hábito nada! É vício puro. Porque o fumante que um dia assume a luta para deixar de fumar é um sofredor: a fumaça do cigarro por perto o seduz ao penetrar em suas narinas, o cigarro por perto é a sua tentação irresistível. A abstinência para muitos e sofrimento tal qual qualquer outra droga.
Quanto a mim, em quantas reuniões empresariais naqueles dias em que o cigarro era “habito”, não saí delas com a roupa malcheirosa...e dor de cabeça.


Ao longo dos anos em que trabalhei na indústria automobilística, em duas delas, convivi com um mesmo médico – já devo ter me referido a ele em alguma outra crônica - que, sem nenhuma influência da profissão, tinha ideias interessantes.
Por exemplo: estudante que era de temas espirituais, fazendo até palestras e conferências, costumava dizer que há dois tipos de homens: o ser humano inteligente, subjetivo, intuitivo e o "humanóide", aquele objetivista, materialista que faz da vida, sobretudo, uma operação matemática.
Os subjetivistas, para ficar no menos, segundo ele, seriam aqueles que espontaneamente prestam atenção a uma árvore, na beleza de uma planta, de uma flor, na amizade de um cão, possuem interioridade onde cabem certos valores éticos dos quais não abrem mão. Poetas. Os outros, isto é, os "humanóides", mesmo com elevada cultura, olhariam uma árvore pelo seu valor econômico, são indiferentes a certas belezas que o mundo oferece, porque não mensuráveis economicamente, calculistas, monetaristas, mantendo apenas os princípios básicos daqueles mesmos valores éticos, porque vivem em sociedade e dela dependem. Pouca ou nenhuma “interioridade” possuem porque eles são do mundo e a ele pertencem. Preocupam-se em acumular riquezas como se fossem imortais.
Evidentemente que essa classificação feita pelo meu amigo médico é muito radical, porque todos nós temos nossas contradições, claro que alguns mais que os outros.
O homem é contraditório e ponto final. Claro que também esse médico, meu amigo.

Pois bem, esse médico era fumante. Para “negar” o seu vício, chegou mesmo a escrever um artigo no jornalzinho da empresa explanando sobre os perigos do fumo para a saúde, destacando os malefícios aos pulmões: "O grande problema não está na absorção da nicotina e sim na inalação dos demais produtos do fumo que realizam uma obstrução nos brônquios e alvéolos pulmonares trazendo portanto uma diminuição na circulação cardiopulmonar (chamada pequena circulação)", escrevera ele.

Alguns anos depois, recebendo proposta vantajosa de outra empresa, viu-se instado a fazer um exame radiográfico de rotina. A chapa revelou um ponto suspeito exatamente...nos seus pulmões.
A despeito dessa tumor, conforme se confirmou depois, foi admitido na outra empresa. Fez uma cirurgia, sendo necessário extirpar parte do órgão afetado. Recomendação básica de seus (colegas) médicos: jamais voltar a fumar !
Voltou à vida normal, com alguma moderação. Atendeu prontamente ao conselho vital: nunca mais fumou !
Que eu saiba, depois que abandonou o cigarro, nunca teve desejos secretos de fumar, nem "delírios" pela abrupta ausência da nicotina. Talvez porque houvesse agora uma imperiosa necessidade em largar o vício: a preservação da vida. Claro que cada um reage de uma maneira, mas como o cigarro reage igualmente sobre todos, fumantes e não fumantes, dia virá que tal vício será definitivamente uma postura anti-social, "marginal" (já não é?).
E nessa nova situação de sobrevivência, mais comedido, esse meu amigo viveu ainda muitos anos, tendo ainda prestado bons serviços à área de medicina do trabalho.
Tenho certeza que, esteja em que plano estiver, esse meu amigo não estará magoado pela confidência que agora faço sobre sua experiência. Porque, antes de tudo, ele não era um "humanóide", apenas um ser humano com suas contradições e fraquezas, como nós todos que, felizmente, apesar dos pesares, deixou de fumar e sobreviveu, certamente, alguns anos a mais.

Legendas:

(*) Esta crônica não é nova, mas não perdeu a atualidade. Já escrevi sobre o vício do cigarro no portal www.votebrasil.com e no blog http://martinsmilton2.blogspot.com (“A (in) tolerância ao tabagismo” de 14.06.2009)
(1) Cigarros Macedônia, velha marca, quebra-peitos e detonadores, como tantas outras, de milhares de pulmões
(2) Figura das drogas contidas no cigarro. Fonte: portaldoprofessor.mec.gov.br

(3) Imagem impressionante num maço de cigarros "Free" advertindo sobre os seus efeitos maléficos à saúde dos pulmões.

21/09/2011

SETE PECADOS CAPITAIS: A IRA

É ira um pecado? Ou se trata de um distúrbio psicológico com graus de manifestação para cada um.
Porque a ira explode naqueles momentos de contrariedade do ofendido ao se defrontar com a desforra, com a humilhação, acuado, desrespeitado nos seus valores.
A ira não é um “pecado” apenas dos mortais. Do texto bíblico, sintetizado num portal católico se extrai o seguinte da ira manifesta das divindades:
“Moisés, ao deparar com o bezerro de ouro, deixa-se arrebatar pelo furor da ira santa, e quebra as tábuas da Lei (Ex XXXII, 19). Deus, muitas vezes, ira-se contra os pecadores (Sl CV, 40). Nosso Senhor lança mão do chicote, e tange para fora, irado, os vendilhões do Templo (Mt XXI, 12). Zanga com os Fariseus, que andavam espiando, para ver se haveria de curar, em dia de Sábado, o enfermo com a mão ressequida (Mc III, 5). São cóleras santas que têm justificativa no fim almejado: debelar ou fustigar o mal, e emendar os pecadores.” (1)
Mais sobre a “ira de Deus”:
“Só metaforicamente a Bíblia se refere (à ira de Deus): é um antropomorfismo, i.é. falar de Deus como se falaria de um homem. Com tal metáfora, quer a Bíblia ensinar que Deus é justo e tem suma aversão ao pecado e real tendência para puni-lo (Dt 32,16; 3 Rs 16,17).” (2)
Se são cóleras santas, não deixam de ser cóleras. Os textos transcritos revelam que há um ponto, mesmo entre os humildes e santos, que a explosão se dá e a reação se manifesta em maior ou menor escala proporcional à afronta recebida.
A ira, a raiva podem se exceder, especialmente nestes tempos em que um novo vocábulo foi inserido no nosso cotidiano, o estresse, que nos deprime e nos atormenta.
Há, de outra parte, uma dose de desequilíbrio que nasce com seres humanos tão diferenciados entre nós, como entre nós estão os sábios, caridosos e ilustrados.
A presença daqueles só revela que este mundo – e já escrevi sobre isso, alhures – é uma escola única na qual são “aceitos” tanto os primários como os alunos superiores.
Entre os primários, até de modo incompreensível – e não há se falar na infelicidade do nascimento em condições precárias porque não é só nesse segmento que os maus instintos eclodem – os semelhantes só são semelhantes até o momento em que uma qualquer motivação, até de natureza econômica, devam ser agredidos ou mesmo exterminados.
No capítulo da ira está o rancor e o desejo de vingança. Nestes casos, sou obrigado a reconhecer que tais estágios envenenam a mente dos que carregam tais sentimentos.
A ira vai e volta.
Nestes tempos, creio que mais do que qualquer outro, até pelo crescimento vertiginoso da população e das cidades, aumentando a pobreza, a fome, o vício e a violência, está difícil de viver.

Por outra, o bullying sempre existiu, mas ele se intensifica nestes tempos duros, pela ira, pela inveja do estudante mais forte, dando-se a agressão constante a um colega de escola mais fraco ou retraído. E o que se pode chamar de bullying se dá, também, pelo assédio moral que se avoluma dentro das empresas. (3).
São gestos gratuitos de intolerância que se bem pensados não têm explicação lógica, salvo para compensar frustrações reprimidas, desvios emocionais. O agressor se afirma perante seus iguais pela truculência moral.
Tenho para mim que a ira, como se verdadeira doença, se manifesta no trânsito caótico das grandes cidades. Qualquer desatenção, um para-choque amassado é o suficiente para os motoristas se engalfinharem e se matarem.
A ira, pois, está numa região cinzenta entre o pecado e a insanidade momentânea ou...permanente; faz parte da índole do agressor e também do agredido.
Não escrevo este texto para insinuar autoajuda até porque não tenho nenhum preparo para tanto, mas eu mesmo, em muitas oportunidades, guardando forte ira, ódio, tentei, com algum resultado positivo, mudar a atitude mental, ocorrendo casos em que o meu desafeto se aproximou amistoso se desculpando
Reconheço, porém, quão difícil em muitos momentos controlá-la. Dotado de “pavio curto” não só por isso, quantas vezes já me vi afirmando irado:
- Esse “cara” vai ter o troco. “Malandro não estrila, espera a vez.”
E quando “esperei a vez”, quanto perdi!

Imagem (1) / Foto (2):

(1) http://jesusnaessencia.blogspot.com
(2) Foto: Milton Pimentel Martins

Legendas:

(1) “O Sete Pecados Capitais – Psicologia Cristã” de Waldemar Magaldi Filho
(2) “Dicionário da Bíblia” – Bíblia Sagrada (Encyclopaedia Britannica Publishers, Inc. 1980)
(3) V. meu artigo / crônica “Bullying” em http://martinsmilton2.blogspot.com/2010/05/bullying.html


Pecados e Pecadilhos

Com a publicação do “pecado” da ira, hoje, concluo a série dos “sete pecados capitais.
Os outros foram publicados nas datas abaixo neste “Temas”:
17.07.2011 - Soberba
03.05.2011 - Inveja
20.02.2011 – Luxúria
16.01.2011 – Preguiça
03.01.2011 – Avareza
26.12.2010 – Gula (nesta crônica foram dadas explicações e informações da origem dos "sete pecados capitais".)

14/09/2011

VIDA DE CACHORRO, alegrias e tristezas

Por que os gatos e principalmente os cachorros nos encantam sobre os outros animais? É porque, por alguma razão não explicada eles se aproximam de nós, nós os amamos e somos amados. Por eles, incondicionalmente. Os cães se tornam policiais, guias de cegos, companheiros...
E os cavalos, a sua beleza e sua elegância? Uma vaca mansinha, amorosa? É uma questão de oportunidade. Esses e outros animais não podem estar conosco numa sala ou num quintalzinho.
E o que mais dói: embora amemos as vacas, vendamos os nossos olhos de modo a não saber ou pensar o que passam quando carregadas de modo brutal num caminhão com outros da espécie e levados para o matadouro.(1)
Por conta de sustentar gatos e cães as fábricas de rações – algumas malcheirosas - prosperam. Esses animais, num visível exagero são tratados como filhos, vestidos e as cachorrinhas, particularmente, até mesmo com vestidinhos e fitinhas cor de rosa. Os animais menores, de regra pouco caminham com seus donos (as), porque carregados nos braços como bibelôs ou bichinhos de pelúcia naquela relação dengosa e, por que não, amorosa de proteção e carinho mútuos.

Sempre me chama a atenção o cão vira-lata que, fielmente, segue seu dono ou protetor, seja ele um indigente, alcoólatra, catador de papel, magro tal qual o seu senhor, dividindo as migalhas mas, jamais, faltando com a lealdade. Ele é leal, mesmo sob pancadas. Nessas desfeitas, seu olhar é tristonho, ressente-se da reciprocidade não recebida nessa relação. Mas, continua caminhando junto ao seu dono.

Há em Piracicaba a denominada “rua do Porto” que, em razoável extensão, margeia o rio. Via aprazível que concentra inúmeros restaurantes instalados em casinhas antigas, mas com a tradição de servir peixes como especialidade, a céu aberto, sob árvores e coberturas, beirando a margem do Piracicaba.

Todo domingo, nas minhas andanças por ali me deparo com um vira-lata, velho (uns 17 anos), cinzento escuro, que se ajeita numa escadinha numa dessas casinhas. Passei a afagá-lo com um agrado que talvez ele nunca recebesse, até o dia em que, de mau humor rosnou para mim. Parei. De vez em quando eu passo por ele e até acho que ele espera um agrado, mas não mais fiz.

Paralelamente à rua do Porto, uma avenida com algum movimento a separa do parque batizado com o mesmo nome (parque da rua do Porto), muito agradável, com pista para caminhada com dois quilômetros, sob árvores frondosas.

Domingo desses, assisti nessa rua, sem nada poder fazer, uma cena impressionante de amor a uma cachorrinha mimada. Num dado momento, percebendo a dona que o animal solto na rua do Porto continuaria sob seu controle, resolveu livrá-la da corrente. Mas, o animalzinho rebelou-se e passou a não obedecer aos chamados da dona para que ficasse próximo.

À medida que elevava ela a voz, a cadelinha a olhava perplexa, mantendo distância segura para não ser apanhada, como se não reconhecesse mais sua dona.

Num dado momento saiu por uma ruela e correu para a avenida movimentada. A mulher pôs-se a gritar desesperada, com todos os pulmões, correndo, prevendo o atropelamento iminente da cachorrinha:
- Não! Não, volte aqui, volte aqui...

A tragédia não ocorreu. A mulher, já na avenida ergueu os braços gritando desesperada. A cadelinha, por sua vez, de repente, já do outro lado, estancou, cheirando sabe lá o quê num canto dos alambrados do parque e foi recapturada. Com visível alívio e emoção a dona a prendeu na corrente e saiu rapidamente como que querendo esquecer o que passara.

Eu mesmo já tive essa experiência com minhas cadelinhas vira-latas. Uma delas, já velha, um dia escapou e, no seu anseio de liberdade, foi encontrada por mim a alguns quilômetros, nas margens do Rio Piracicaba perfeitamente entrosada com o ambiente.

A cadela preta, também já velha, quando escapava sai às carreiras pelo bairro, correndo o risco do atropelamento. De repente, ela para cansada e faz questão de voltar à sua “prisão”. (2)

Há algum tempo, a propósito, a imprensa local noticiou que um cãozinho de 30 centímetros de altura enfrentou um cão pitbull que mordia com ferocidade sua dona, que mal se defendia, protegendo seu filho pequeno da fera. O bichinho, em desvantagem, conseguiu que o pitbull soltasse a perna da mulher e, ao ser atacado pelo animal enlouquecido, foi “estraçalhado” por ele. Deu no jornal. Um heroizinho sem medalhas. Mas, o menino perguntava por ele:
- Quando ele vai voltar?

Vida de cachorro e de seus fãs é assim. Alegrias e tristezas. Gatos e cachorros também morrem.

Legenda:

(1) V. crônica "Renuncia à carne (animais brutalizados)" de 08.03.2009 e também "Fábula: a vaca e o leão" de 04.07.2010 (a mais acessada deste "Temas");
(2) Sobre essa cadelinha preta, v. minhas crônicas também neste "Temas":
“A (in) sustentável leveza do ser...animal” de 26.06.2011
“Mensagens & imagens” de 23.01.2011
“Dias amargos” de 28.11.2010


Fotos:


A cachorrinha da foto é da mesma raça da fugitiva na rua do Porto - Piracicaba


Imagem da rua do Porto, numa segunda-feira. No domingo, o movimento é intenso com os restaurantes e com frequentes barracas de artezanato.

04/09/2011

TRADIÇÕES, MEMÓRIAS, FRAGMENTOS (II)

Como já expliquei antes, farei desse título uma série referindo-me a momentos diferentes de memória e fragmentos dela. Assim, para diferenciar esses “momentos diferentes”, o segundo texto será sempre grafado em itálico para estabelecer o contraponto. Tradições e outros Acho que os sonhos, se não fossem importantes nós não sonhávamos. Eles anulam tempo e espaço, fazem-nos viajar, reviver e conviver, “pessoalmente”, com episódios já vividos e reprisados e nos encontrar com entes que da mesma forma fizeram parte de nossa vida, ou deram um sentido especial. Bom ou ruim. É nesse lapso que até mesmo a censura pode ser anulada. De onde provêm essas sensações virtuais, essa liberdade...essa libertinagem? Uma espécie de arquivos na mente (superior?) como um google que eclode sem ser acessado. Talvez até já tenha me referido ao sonhar acordado. Na Barão de Itapetininga, que é uma rua (agora já não sei) que gosto de São Paulo, parei numa loja de discos, porque garoava, um resquício daquela garoa que dera um qualificativo no passado à grande cidade e, à espreita, vi aquelas imagens de pessoas que irradiavam menos ou mais calor, não reclamando do vento forte e molhado e, quem sabe, tendo tudo aquilo como bênçãos. A alma lavada. Um sentido de serenidade numa cidade sacrificada pela sua grandeza e para mim, também um sentido emocionado de anonimato naqueles instantes. “Acordo” e volto ao chão da Barão molhado. Reflito das quantas vezes frequentara o Mappin, antiguíssimo ali na esquina com a Xavier de Toledo, uma tradição que veio abaixo pela falência, uma perda, porque fora um referencial por décadas. Mais que o Teatro Municipal do outro lado. Afinal tudo prescreve. A vida prescreve. E quando ela prescreve, no seu tempo pré-fixado nem sei bem como e por quais motivações, na mais das vezes, desaparecem as próprias experiências da vida que não chegaram a ser contadas. Já devo ter falado disso, também, em alguma crônica passada. Vindo da PUC de São Paulo, lá das Perdizes, no meu velho fusca-64 vermelhinho que nunca me deixara na mão – e quando deixava, bastava uma lixada na abertura do platinado para ele voltar a funcionar -, me vejo parando, uma vez por semana, pelo menos, na Leiteria Americana, também na Xavier de Toledo. Ali, relaxava um pouco às dificuldades das provas (direito penal, meu carrasco), matava a fome com mini-pizzas e chocolate quente nos dias frios. Lá pelas tantas chegava a São Caetano do Sul com tantas aventuras e sonhos para contar. Mesmo que o interesse seja muito restrito ou seja apenas do meu interesse que digam respeito somente a mim.










Memórias, fragmentos Corriam aqueles tempos em que ter um Fusca 1300 era ser rei na paquera. Em São Caetano, o cine Vitoria sob um prédio com alguns andares, tinha logo ao lado das bilheterias, um bar de bom padrão. Quantas vezes ali me servi de pizzas do tamanho de um prato ou arrisquei um licorzinho ameno nas madrugadas. 

 Numa das salas do prédio, instalara-se o Centro Acadêmico que, como se deduz, concentrava esses estudantes que já haviam ingressado no curso superior. Muitos desses acadêmicos se reuniam ali ao lado do “bar vitória” ou na esquina. Nos contatos que tive com alguns deles constatei que exalavam cultura, bem informados, revelando todo o meu despreparo. 

Um deles, acadêmico de direito do Largo de São Francisco, aprendera inglês em contato com o “éter” – enquanto eu fugia desesperado das aulas da língua ministradas por professora rigorosa. Foi naqueles dias que pela primeira vez devo ter ouvido a obra “Crime e castigo” de Dostoiévski e muito mais: “Sartre disse...”, “Foi Bertrand Russell quem disse...”; “O livro”O Lobo da estepe” de Herman Hesse...” (1); “Herbert Marcuse no livro “Eros e a Civilização defende que...” 

Para mim uma humilhação. Imaginem que poucos anos antes eu me ocupava em ler livros de Edgar Rice Burroughs sobre o personagem Tarzan! Lembro que já havia lido “Dom Casmurro” de Machado de Assis. Alguns dos livros mais citados pelos acadêmicos da esquina do Cine Vitória procurei ler mas, por exemplo, “Lobo da Estepe” preciso reler porque não me lembro de absolutamente nada do seu “enredo”. (2) 

Bem, passados tantos anos, me pergunto por onde andam esses intelectuais tão jovens. Sei que um deles já “mudou de lado”, outro se deu bem na vida profissional...mas, e os demais que me marcaram tanto? Perderam-se no tempo, nalgum lugar. 

Porém, se havia assunto que me preocupava desde então, era a preservação das florestas. Essa pequena crônica abaixo se situa naqueles idos e a ideia, mais tarde, inspiraria um poema com o mesmo tema, já publicado neste Temas: 
“Paisagem 
Vez por outra busco uma estrada com vegetação cerrada que toma ambos os lados. Próximo a uma baixada onde a vista se perde, lá embaixo é qualquer coisa de magnífico, notar os raios solares beijando as frondosas árvores, seculares árvores, talvez. 

Bem à minha frente, eis uma delas, várias delas nas redondezas. São rainhas, sem trono nem coroa. 

Seu reino é a própria dignidade que externam, é a sombra também secular que propiciam. Aqui me sinto bem! Esqueço os problemas mesquinhos, perco o egoísmo e o espírito anda por lá, por aqui. 

Outro dia voltei ao local tão sereno. As árvores seculares foram destronadas: o progresso ultrajou-as. “Aqui a natureza dará lugar ao progresso”, dizia uma placa.” 

Isso escrevi na década de 60. Nem pensar no hoje, “natureza dando lugar ao progresso”...e à cobiça desenfreada!

  Legendas: (1) De Hermann Hesse (“Siddharta”), v. “A Sabedoria dos rios” crônica de 22.11.2009 (2) Resenha de livros: “Dos livros que não consegui ler ainda...e os já lidos” de 17.10.2010 “Madame Bovary e Anna Karenina – duas personagens” de 28.03.2010 

  Fotos: 1. Rua Xavier de Toledo à noite, foto de Fernando Martins (Google) 2. Entrada do Cine Vitória (SCSul), hoje desativado. À direita é possível divisar a entrada do também extinto “bar vitória”. Foto obtida em www.panoramio.com (Google)

24/08/2011

POEMAS, para não dizer que não falei de... (VI)

(Estas composições são de diferentes épocas, lembrando que algumas ou todas já ilustraram crônicas neste Temas – agora nestas resenhas eu as tenho recuperado e compilado).
(V. texto no final sobre rodeios)

PAIXÕES NO TEMPO









Como são fortes, candentes
Os primeiros amores,
Ardentes
Marcam n’ alma
Lembranças tênues
Calmas

O momento mágico
Musicado, apaixonado
Nostálgico


Os amores passados,
São adocicados
Calados

A imagem constante
Um rosto jovem
Distante

A primeira namorada
Dúvida amarga
Amada.



MELHOR TEMPO


Qual, pois, o melhor tempo...
Estes de hoje
Tecnológicos, metálicos,
Úteis, soberbos
Televisivos...aborrecidos
Poluídos
Amargurados
Dos terrores e humores
Estremecidos?

Ou aqueloutros, de antes
Criativos
Ritmos (de vida)
(Mais) confiáveis,
Serenos,
Rimas e poesias
Amáveis?

Respondo: é de cada um
Para mim, de coração,
não há saudades do hoje
Só do ontem até longínquo:
dos meus amores
enternecidos
alegrias, tristezas
levezas...

De tudo
Da vida indo
Até chegar ao agora
Com uma dose de angústia
Do que vi, vivi e vai indo
Embora.



LUA, LUAR


 Despertou-me ó luz prateada
Brilho tépido, candente, o luar
Obriga-me a desfrutar do seu momento
Da graça, do amor e da nostalgia
Convida-me a olhar para fora do que sou
Indago assim inspirado o que há além
Sua luz não esconde os piscares infinitos
Da Terra aprisionado estou o bastante
O peso do meu tempo, bem sei, não permite,
Tocar na sua fronte, tão perto e tão distante.


Fotos de Milton Pimentel Martins


RODEIOS

Não falo de poesia, mas da estupidez humana.

Estamos “acostumados” com os maus tratos aos animais. Mas, se tem espetáculo sórdido são os que usam animais para o divertimento público, como são as touradas e os rodeios, entre outros. Há até caçadores que organizam “safaris safados” para abater animais em extinção.
Os rodeios se popularizaram no Brasil. Todos sabem que para obter a reação dos animais (touros) a sua genitália é pressionada causando-lhes dor e desespero. Esses falsos vaqueiros covardes sobre eles montam devendo ficar equilibrados por oito segundos enquanto eles (os animais) reagem com saltos intensos.
O rodeio de Barretos e o mais conhecido e o mais torpe.
A despeito dessa crueldade permanente, houve alguma reação oficial (do MP de Barretos) ao saber que um bezerro “ficou paralítico depois que um peão saltou sobre ele para completar a prova chamada bulldog, que visa a imobilizar o animal no menor tempo possível”. (1)
Por conta desse incidente, o Ministério Público está abrindo inquérito civil para apurar responsabilidades pelos indícios de maus-tratos, até porque o animal, com 18 meses de vida, tal a lesão, teve que ser sacrificado.
Ora, e esse vergonhoso rodeio de Barretos já não significa no seu todo, maus-tratos aos animais?
Eu não vejo em que, salvo o vil metal que circula – e por sua conta essa crueldade é aceita como “normal” -, como uma “festa” dessas pode honrar o nome de uma cidade ou qualquer outra que se vale dessa prática covarde.
Abaixo os rodeios, abaixo a covardia!

(1) “O Estado de São Paulo” de 23.08.2011



14/08/2011

TRADIÇÕES, MEMÓRIAS, FRAGMENTOS (I)

Explicação: pretendo fazer desse título uma série referindo-me a momentos diferentes de memória e fragmentos dela. Assim, para diferenciar esses “momentos diferentes”, um dos textos será sempre grafado em itálico para estabelecer o contraponto.


A palavra tradição, nos dicionários, não significa apenas referências históricas ou culturais preservadas ao longo do tempo, de geração em geração tantas vezes.
Há festas tradicionais, lojas e empresas também tradicionais, atividades populares e culturais que sobrevivem à intempérie do tempo. Quanto a estas, sem muito esforço para citar, ainda sobrevivem as festas juninas e forte o carnaval, claro que não com aquela alegria dos salões de antes.
TRADIÇÃO, significa, também, recordação, memória.
Hoje, olhando para trás, lembro-me de um “fenômeno” que se deu mesmo comigo, essencialmente natural, nada novo.
Quando jovem (refiro-me à minha geração) não havia uma perspectiva de futuro, isto é, não se pensava muito sobre o que viria pela frente e no que se refere ao dia-a-dia tudo se resumia às novidades e experiência inéditas daquele momento às vezes recebidas com indiferença. Porque no dia seguinte novas alternativas se apresentariam.
À medida que o tempo passa a vida “cobra” compromissos que vão sendo suportados com alguma relutância num canto qualquer da mente e se tornam nosso futuro. E mais além, nossas tradições. Por exemplo, eu gostava de jornalismo, mas a moda era estudar Direito, essa “tradição” do meu tempo que me influenciou.
Somos, por conta desse “fenômeno”, despertados por uma música que nos faz retornar ao passado naqueles tempos que tiveram algum significado, incluindo as pessoas em volta que lá estavam.
Aqueles acordes mágicos.
Ou ouvir um nome que nos faz lembrar de alguém que de algum modo fora importante para nós e até mesmo estalos de memória inexplicáveis que nos fazem recordar fatos ou pessoas gratos ou não. Aí incluídas as paixões, que eclodem geralmente enfeitadas com alguma emoção.
Nesses estalos muitos são os poetas que encontram inspiração.
Voltarei.

Memórias – fragmentos: “Meus oito anos”.

Um amigo de mais de 50 anos me fez recordar dia desses a poesia imortal de Casimiro de Abreu, “Meus oito anos”, que começa com está estrofe:

Oh! que saudades que eu tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais !
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais !

E eu incluo, também, “Meus tempos de criança”, música de Ataufo Alves com este trecho:

Se não sai da gente essa lembrança
Aos domingos missa na matriz
Da cidadezinha onde eu nasci
Ai, meu Deus eu era tão feliz
No meu pequenino Miraí
Que saudade da professorinha
Que me ensinou o Bê a Bá
Onde andará Mariazinha...

Situo-me nesse lapso da vida, numa casinha humilde com um quintalzinho, num dos cantos, um poço e a bomba manual para trazer a água. Ali era meu pequeno reduto, de fazer aterros com carrinhos de plástico enquanto minha mãe se movimentava lavando a roupa e cuidando da casa.
Lá fora na rua de terra batida, dálias enormes exultavam insistentes pelas calçadas mal traçadas – agora não mais as vejo - e “copos-de-leite” viçosos à beira de brejos fétidos.
Os campos eram abertos e eu os explorava.

Aquelas tardes iluminadas que não acabavam, a noite vacilava em chegar e quando chegava o luar era límpido naquelas noites escuras sem iluminação de qualquer natureza lá fora, aquele disco iluminado que eu nunca consegui entender. Quem disse que é um satélite? Quem disse? Quem influencia quem?

Pouco depois, no segundo ano do primário, aulas à tarde, minha professora, muito bonita, pálida, sem pintura.
Sempre que ela faltava lá vinham as substitutas, esforçadas mas nada da aula fluir. Tudo monótono. Sonolento, quatro horas de tormento.
E aí eu ficava doente, com “dor de barriga”, uma desculpa para tentar fugir da aula na ausência de minha professora efetiva. Mas, no fim sempre ia para o sacrifício. Não adiantava nada me queixar com meus colegas na fila para as salas de aula. Eu era aluno exemplar naqueles tempos.
E ela faltava muito, muitas eram as dores. Às vezes chegava atrasada e as “dores” passavam na hora.
Se fui feliz nesses oito ou dez anos? Que me lembre, sim.

Fotos:

1. Largo de São Francisco (SP) - Faculdade de Direito, exemplo de tradição (Google)
2. Lua cheia - Foto de Milton Pimentel Martins

31/07/2011

“DOUTOR, O SENHOR FOI ABDUZIDO?”


Em 02 de março de 2009 contei uma história neste Temas, “O Solitário” relatando uma lenda que se criou em torno de um médico que, por uns dois anos viveu humildemente no interior de Minas Gerais. De modo silencioso praticou gestos humanitários de cura entre os vizinhos. Também curou animais.
O final da história fora assim relatado:

“Mais tarde, retornando, os vizinhos notaram que o "feiticeiro" continuava ausente. À tarde saíram à sua procura. Não o encontraram e não descobriram qualquer vestígio de seu paradeiro. Entraram na casinha e ela estava limpa como se esperasse a volta breve do seu morador. Mas, ele não voltou no dia seguinte e não mais. Os seus vizinhos agradecidos por tantos favores, preocuparam-se em cuidar dos animais como ele cuidava. Na mente simples daquelas pessoas, o homem solitário viajara para sempre com os extraterrestres. Afinal, não fora abandonado por eles depois de o terem sequestrado numa noite de chuva forte?
Mas, há outra versão: não gostaria de se constituir numa "atração turística". Parece que já vinha se preparando para outra morada, adiara por causa dos seus animais e pela carência de seus vizinhos, mas os estudantes foram a gota d’água. Hoje, quem sabe, estará nalgum outro recanto, curando animais e homens, em silêncio, levando uma vida simples sob o manto da natureza e das divindades que sua alma procura.
Ou por outra, voltado à sua vida de médico clínico na emergência de algum hospital no mais absoluto anonimato. Parece que assim se dera, alguém dissera um dia.


O repórter, na recepção do hospital, por horas, se acomodara numa poltrona confortável a espera. Pedira à recepcionista que indicasse o médico quando saísse para uma entrevista.
De repente, pego num bocejo, com fome, por volta das 13h00 sai entre outros servidores, sinal tímido da recepcionista com o indicador, um médico de complexão franzina, de cabelo curto. O jornalista se apressa, aperta o passo e o alcança no estacionamento, sem ser notado pelo médico.
Arrisca:
- Doutor, o senhor foi abduzido?
O médico para perplexo, se volta e lá está um jovem barbado, com uma mochila acomodada nas costas, de paletó, calça jeans, micro-gravador na mão:
- O que disse?
- Perguntei se o senhor foi abduzido. Eu o conheci no interior de Minas há alguns anos e até hoje tenho as gravações de suas respostas. O senhor nunca respondeu a essa pergunta.
- Mas, eu fui perguntado? – Não vou responder nada disso. Tudo aquilo que você sabe, são lendas...
- Mesmo a cura dos animais com chás de ervas; parto sem dor?
- Lendas...mas, cuidei de pessoas, crianças. Dos animais, também...
- Lendas? Mas, não foram importantes aqueles tempos para o senhor?
Pensou um pouco:
- Vou explicar uma coisa: às vezes assumo que algumas abduções relatadas por algumas pessoas podem não ser meros delírios. Seriam essas experiências de abdução tal qual os “nossos” macacos de laboratório...
- OK. Como o senhor vê o avanço do mundo nestes tempos. O fim será em dezembro de 2012?
- Não sou profeta, nada tenho a dizer sobre essa data. Sou médico cirurgião e na verdade o senhor está me atrasando. Tenho que voltar logo para o hospital. Encara o repórter: - Mas, estou preocupado com a predação ambiental. Não sei como será o mundo dos meus, dos seus netos. Desertificação, escassez de água, fome...
- A devastação na Amazônia o assusta?
- Demais da conta. Há na índole do brasileiro ou de muitos algo genético de indiferença e de desrespeito herdados de nossos antepassados. Os atos de inconsequência são criminosos e não há controle. A Amazônia é ainda o ultimo reduto de esperança, de equilíbrio ambiental. Pode me chamar de entreguista, mas sou partidário da instalação de uma força internacional de preservação, porque predomina entre os brasileiros a irresponsabilidade impossível de controlar. A corrupção. Não têm condições mentais de perceber o mal que fazem para a humanidade...e para os seus descendentes. E emendou: já falei demais, preciso partir.
- E os animais, o senhor não cuida mais deles?

- Sou médico-cirurgião, trabalho intensamente no hospital mas sempre que possível cuido deles. Tenho um amigo veterinário abnegado pela causa. Na verdade eles são vítimas da predação e da crueldade humanas. Se tudo está ligado com tudo, nós recebemos a violência que infligimos a eles. Veja só a Noruega, um país que eu conheço, com aquela cultura, desenvolvimento e riqueza... precisaria trucidar baleias como faz?

- Doutor, o senhor está insinuando...
- Não estou insinuando nada, os eventos estão aí. Olhe para o alto. Passe bem.
Entrou no carro, sem luxo e partiu.
O repórter que a tudo gravara, saíra insatisfeito com a entrevista forçada. Haveria algo mais a perguntar.

Fotos NASA (Telescópio Hubble)

1. Galaxias
2. Nebulosa do esquimó

17/07/2011

SETE PECADOS CAPITAIS: SOBERBA

“Pecados e pecadilhos” já publicados
03.05.2011 - Inveja
20.02.2011 – Luxúria
16.01.2011 – Preguiça
03.01.2011 – Avareza
26.12.2010 – Gula (nesta crônica foram dadas explicações e informações da origem dos "sete pecados capitais"

SOBERBA



A palavra “soberba” tem significado que pode conter um sentido enfático, de realce: aquela obra é soberba; aquele edifício é soberbo.
Como Machado de Assis no seu “Quincas Borba”:
“E depois o noivo é rico...”Rubião pensou na carruagem e nos cavalos que levaria, tinha visto uma parelha soberba no Engenho Velho, dias antes...”

Mas não é essa “soberba” a inserida nos “pecados capitais”.
Ela se refere àqueles desvios de personalidade que fazem acreditar a muitos indivíduos, geralmente com alguma forma de poder, o centro do mundo e agem como se fossem imortais, não só pelos seus atos mas pelo modo como pensam e pela possibilidade de convencer incautos. Aquele orgulho...soberbo.
Nestes tempos inglórios e em todos os tempos essas figuras se sobressaem às vezes incompreensíveis pelo que fazem e pelos restos desgraçados que deixam pelo mundo por anos, décadas.
É, pois, no mundo político em que a soberba extrema se mistura com a arrogância e com isso a perda dos escrúpulos mínimos. Que o digam os ditadores que se prendem ao poder como se, naquela linha de esquecerem a mortalidade, e para não descerem desses degraus os deles não cair, sacrificam opositores e inocentes.
Tudo pelo poder e para isso, os fins justificam os meios. Promovam-se guerras e guerrilhas, derrubem aviões e edifícios. Explodam-se bombas no meio da multidão desavisada. Afinal, o poder assim exige e “a minha vontade, em seu nome, haverá que prevalecer”.
Não são batalhas para mudar o que está mal, dentro daquele princípio de que uma revolução se faz necessária para minorar o sofrimento dos mais humildes, mas para se manter o poder. Ou tomá-lo para pouco ou nada mudar. O ruim substituído pelo pior!

Nessa corja de estúpidos se inscrevem os corruptos que não se prestam a questionar de onde vem o produto de seu roubo, sejam obras inacabadas de pequenas casas aos mais pobres, alimentos às crianças em escolas humildes e sacrificadas. Da infelicidade daqueles que os recursos que subtraem poderiam minorar. O que importa são os valores vultosos sempre maiores que não os satisfazem. Não há limites para o corrupto de todos os matizes, porque são os eleitos da “imortalidade”.


Se considero a preguiça moderada um pecadilho, a soberba é o pior dos pecados porque ela tende a cegar, sucumbindo a consciência e os escrúpulos. Ora, os escrúpulos são para os fracos...
Dentro do possível não dei conotação religiosa nesta série de “pecados”, mas cai bem aqui Provérbios 16:18
“A soberba precede a ruína, e a altivez do espírito precede a queda.”


Na minha vida profissional, me deparei com muitos desses espécimes. Na empresa tudo gira em torno de suas idéias, são autoritários, improdutivos e afetam o ambiente de trabalho. Confundem autoritarismo com autoridade. Não se dão conta de que autoridade se obtém com a distribuição dos trabalhos, com a participação e com a troca de idéias.
Muitos desses, com o passar do tempo, afastados, numa poltrona, esquecidos, têm consciência de que nada fizeram, não construíram sua subjetividade e vegetam. Quando instados, não sabem de outra coisa que não seja falar de seu passado na empresa – um assunto aborrecido porque ele ficou e a empresa avançou de um modo ou outro...sem eles.




Cuidem, por sua vez os intelectuais e os ditos sábios para não demonstrem ser “os donos da verdade”. Posicionarem-se no pedestal de estátuas. Moderação, moderação faz bem!





Por conta dessas impressões, neste Temas já publiquei e republiquei a história “Reavaliações e renúncias” em 10.10.2010 da qual transcrevo este trecho de ex-executivo que preferiu renunciar a esse mundo, o mundo da soberba. Muitos são os que conseguem:

- Mas, o que parece certo é que a soberba é mais agressiva, mais ambiciosa, assustadora e predomina no mundo. Eu sei disso porque convivi nesse mundo de competição e posso dizer que combati a soberba com a soberba. Mas, os tempos mudaram. Sendo a soberba uma não virtude ela tende a manter as desigualdades subestimando ou minimizando as virtudes do respeito ao próximo, da honestidade, da lealdade, do altruísmo. A modéstia contrapõe-se à arrogância e à violência. Proponho, pois, um mundo "modesto"? Uma utopia? Trazer o céu para a terra? Não é bem isso. Seria uma impossibilidade. Sabemos que nosso mundo é naturalmente o mundo das desigualdades. Com ela, a modéstia, cultivada numa permanente autocrítica do indivíduo, possivelmente fizéssemos o mundo apenas um pouco menos desigual, um pouco menos doente. Com mais amor, mais amizade, mais lealdade, mais altruísmo.
Imagens

(1) Gravura de Karel van Mallery (1571/1635). Fonte: www.baciadasalmas.com
(2) Gooogle (gravura repetida em outros blogs)
(3) idem


ESPECIAL

Piano: Silvio Pimentel Martins

Tema: Ernesto Nazareth, "Brejeiro"