19/07/2013

“O SENTIDO DA VIDA”


NADA

Quantos pensam nessa expressão que frequentemente é seguida de interrogação: “qual o sentido da vida?” Quantos?

Tenho por hábito me dar por perdido em locais que até conheço bem: “onde estou agora?”

Dá-se nesses instantes uma mudança de órbita, mesmo!

Outro ponto são as minhas microdepressões. Elas me incomodam, me angustiam, mas jamais serão verdadeiras depressões, essa doença moderna que a tantos ataca.

Volto pelo caminho de sempre no final de tarde e baixa a angustia que me leva a questionar a minha existência.

Mas, o que faço aqui?

Segue-se um sentido de (i) reflexão, de questionamentos e chego... ao NADA. Como se fosse um branco mental.

Não houve para preencher esse vazio instantâneo um chamado à fé, às divindades. NADA.

Já não de hoje questiono, sem entender, o mecanismo do sexo e a sua explosão. Nada de malícia. Dele nascem bilhões de pessoas que se relacionam e se amam... e se odeiam.


Decaio no NADA mas esse NADA se lança numa região anímica. Só minha. Nada sei. Não consigo.

Mal consigo expressá-lo. Porque é o NADA


 Vegetarianismo, meditação e espiritualismo

O ministro aposentado (do STF) Carlos Ayres Brito, em entrevista à Folha de São Paulo de 18.11.2012, revelou-se vegetariano que conquistou num processo gradativo de eliminação de carne, começando pela vermelha, depois frango e por fim o peixe.


Eu sei aqui no meu cantar do dia-a-dia como é difícil essa renúncia alimentar para alguém exposto às contradições do convívio social que tem a carne como prato básico.


Disse o ex-ministro que, com base em estudos espiritualistas é contemplativo e, pelo que afirma, essa contemplação suaviza sua vida.


Ao ser perguntado se o vegetarianismo seria um passo para a iluminação respondeu:


“Não chegaria a isso, não. Agora, tudo tem uma lógica elementar. É claro que não vou explicar tudo pela lógica, porque o mundo do mistério existe e o mistério está fora da lógica convencional. Quando você olha para você e diz: "Não há ninguém dentro de mim, o meu corpo não está abrigando ninguém", quando você diz "eu sou um vazio", você enxota o ego.


Mas não há vácuo na natureza. O que acontece? O vácuo vai ser preenchido pelo universo, pelo Cosmos, pela existência, outros preferem dizer por Deus. Expulse de si o ego que o espaço deixado por ele vai ser instantaneamente ocupado pela existência. Aí você dialoga com a existência, isso é elementar. Aí você tem um vislumbre do eterno, do definitivo, mais clarividente, você abre os poros da lógica, do seu cartesianismo, você vê o direito por um prisma novo.


Agora, você paga um preço por isso. Qual é? Quando vê as coisas por um prisma totalmente novo, a sociedade não tem parâmetro para avaliar seu prisma diante do inédito para ela. 

Você é um antecipado, viu antes dela. O que ela faz, lhe desanca, lhe derruba, se não ela vai se sentir menor, inferiorizada, aturdida. O que ela faz, ela lhe desanca, você está errado, ou então você não é um cientista, você é um mistificador.


A sociedade não tem parâmetro para analisar os antecipados no tempo. Veja a lógica das coisas, o tempo só pode se guiar por quem anda adiante dele. São os espiritualistas, os artistas, porque eles não têm preconceitos, pré-interpretações, pré-compreensões." (*)


Nesta crônica me refiro ao sumiço momentâneo do [meu] “ego”, com o NADA que se manifesta.


Claro que o ex-ministro está muitos passos à frente em seu estágio contemplativo, de meditação, porque o seu “vazio” pode ser “preenchido pelo universo”.


Eu não consigo ainda me livrar das minhas circunstâncias, do aprofundamento do terror que estes meus tempos propiciam e me afetam. 


Talvez por isso para mim manifesta-se o NADA, o ego desparece por instantes e ressurge neste mesmo mundo conflituoso.

 Por enquanto sou assaltado pelas influências terrenas, pelo horror.


(*) A entrevista completa do ex-ministro Carlos Aires Brito por ser lida no portal “Ser Vegetariano” (http://serveg.blogspot.com.br/)

  
BILA. O CÃO RAIVOSO

Bila era o apelido de um menino de seus três, quatro anos de idade que podia sentar na guia da calçada sem perigo.

Numa manhã ele fez isso mastigando um pedaço de pão com manteiga.

Um cão raivoso apareceu do nada é o atacou ferindo-o gravemente com mordida profunda no rosto.

Tratava-se de um cão doente, raivoso.

Não sem antes mostrar seus dentes ameaçadores, vertendo baba letal, foi morto logo em seguida com um golpe de taco de golfe pesado na cabeça. 
Imóvel, estirado no chão de terra batida, sangrando.

Bila, não resistiu ao ferimento e morreu.

Porque tal coisa de deu?

Ora direis, há coisas piores neste mundo de ódios e vampiros. Mas, neste momento apenas isso me afeta.  Essas imagens. Estão na minha mente, para sempre.




Sempre num relance, no silêncio, nas horas da noite flagro vultos brancos à espreita. 

O EX-GALÃ

Ligado aos meios de comunicação, muito conhecido, agora com cabelos grisalhos, penso que começara a se ressentir das fãs sempre disponíveis que começavam a rarear.

Ele chega para falar com uma pessoa conhecida com a qual conversava numa sala de escritório.

Troca algumas palavras com esse interlocutor, seu amigo do mesmo ramo, e se despede.

Aperto de mão.

Chega até mim é faz o mesmo gesto:

- Até logo.

No dia seguinte se lançou no Vale do Anhangabaú. Saltando do Viaduto do Chá.

A sua morte extrema foi abafada. O NADA extremado.


Tema Correlato: "Idade" de 13.05.2012

14/07/2013

“QUATIZADA” EM ÁGUAS DE SÃO PEDRO


[O “meu” quati]

Numa dessas, em Águas de São Pedro, com muita surpresa me deparei com um bando de quatis “atacando” uma lata de lixo em busca de alimentos a ponto de até mesmo disputar entre eles restos que conseguiam obter.
Nunca imaginei presenciar tal cena, quatis explorando lixo. Vi esses animaizinhos famintos em Foz do Iguaçu, semi-domesticados “assediando” turistas por uns restos de comida.
.




Em Águas, pelo que descobri, sua população cresce a despeito da escassez de alimentos, até porque eles vivem num pequeno bosque nos rumos da estrada que chega a São Pedro




Seu ambiente natural vai sendo reduzido e eles se obrigam a viver como cães abandonados ávidos por comida.
Isso tudo é triste. Afinal, não são só os quatis que perdem espaço natural. na insanidade de devastar meios naturais.


Um quati – um indivíduo igual a esses de Águas -, por meses, fez parte da minha infância que relatei numa crônica já publicada mais de uma vez.
Mas, lá vai ela de novo. (*)

(*) Publicada neste "Temas" em 10.04.2009 - "Animais (zinhos)". Além da minha convivência com o quati, relato experiências com "A coruja", "Abelhas", "Vespas e marimbondos", " O leitãozinho" e "O escorpião no sapato".

O "meu" Quati

Houve um tempo em que morara numa casinha simples, boazinha, cujo quintal dava fundos para o já então poluído rio Tamanduateí, violentado pelo despejo de fábricas, esgotos, lixo. O quintal era separado por uma cerca de ripas, tendo um portãozinho que dava para um terreno baldio e, atravessado esse, a aproximadamente 30 metros, depois de um caminho de terra à "caia-se" no rio Tamanduateí. Perto dali, havia uma ponte de madeira e, na outra margem, na mesma direção do meu quintal, havia um campo de futebol, onde aprendera a andar de bicicleta.

Quando chovia muito, o rio transbordava, chegando as águas até ali, perto da cerca, inundando todo o terreno baldio dos fundos. As águas não chegavam até meu quintal, porque o terreno de minha casa era mais alto. Bem encostada na cerca, do lado de dentro de meu quintal, havia uma amoreira, que frutificava sem parar. Quase que diariamente, meus dedos ficavam tingidos de vermelho das amoras, graúdas, muito boas.

 Certa feita, trouxera meu pai para casa, um quati. Não sei dizer sua origem. Viera ele dentro de um caixote.

Foi-lhe posta uma coleira, sendo preso por uma corrente, com cuidados especiais, próximo à amoreira. Meio selvagem, meio ‘perigoso’ pelos seus dentes caninos, mantínhamos certa distância no começo. O quati, segundo o Dicionário Aurélio, é um mamífero [não só] carnívoro, "com sete subespécies distribuídas por todo o Brasil" (!?)

O "meu" quati, seguindo a descrição normal das espécies, tinha focinho e pés pretos, corpo meio amarelado, com cauda longa e com anéis pretos. O animalzinho preso, tinha mobilidade suficiente para trepar na amoreira.

E isso ele fazia constantemente, enroscando a corrente nos galhos. Com muito cuidado, algumas vezes por dia, íamos desenroscá-la para que o bicho voltasse a ter a mesma mobilidade. Quanto a mim, depois de algum tempo de sua chegada, querendo as amoras criei coragem e fui para perto da árvore e comecei a colhê-las.

 O quati permaneceu quieto de pé, cauda alevantada. Quando me sentei para comer as frutinhas acompanhando o caminho de formigas cortadeiras que passavam por ali carregando pedacinhos de folhas, entre assustado e em pânico, tentei tirar o quati de cima de minha cabeça que avançara inesperadamente, tendo a corrente batendo no meu rosto.

Mas ele não fora feroz. Não fora agressivo. Na verdade, tivera tempo de "cavoucar" delicadamente minha cabeça com as patas dianteiras. E esse carinho maravilhoso ele repetiria sempre. Subia pelos meus ombros sem cerimônia e "cavoucava" minha cabeça.

Comia quase de tudo na minha casa, como um cachorro. Nasceria ali uma amizade duradoura. Eu o levava para passear no terreno do fundo, ele abria pequenas covas com seu focinho e suas patas.

Uma alegria para ele. Chegava mesmo a soltá-lo da corrente. Dava um pouco de trabalho resgatá-lo, mas quando se cansava, espontaneamente voltava.

Pela amizade do quati, entendo bem a frase inspirada de Antoine de Saint-Exupéry no seu consagrado "O Pequeno Príncipe", pela voz da raposa: "- Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas".

Ele tinha umas pequenas feridas e coceiras na cauda. Eram tratadas com mercurocromo e não progrediam. Desapareciam um tempo, mas voltavam.

Um dia precisou ser levado embora. Não me lembro bem porque. Teria sido levado para uma espécie de convento, conduzido por religiosas que possuía ampla área verde.

Soube que morrera algum tempo depois. As feridas na cauda evoluíram, disseram-me, resultando em sua morte. Certamente que não fora cuidado devidamente. Ou morrera de saudades.



 Até hoje lembro-me dele com carinho... Uma vidinha simples, de amor e de amizade incondicionais, sem escolher dia e hora.

08/07/2013

“NÃO CONFUNDA O AMOR”

           
“Aquela quarta-feira, no ônibus para chegar a São Paulo, quase três horas de viagem. Não sei mais dirigir na minha cidade. É mais seguro o ônibus e o metrô a partir do Terminal do Tietê.
Vou lá para os últimos lugares do ônibus para ler e cochilar. Na minha pasta, o pequeno grande livro “Minha Formação” de Joaquim Nabuco – que lamentei um pouco ao chegar à última página.
Uma senhora bonita entra apressada no ônibus. A última passageira a embarcar. Ela me encara, faz um leve movimento de cumprimento mas não a reconheci. Talvez alguém que nalgum instante por causa da minha profissão, um encontro casual no Fórum, na própria cidade.

Na chegada ao Terminal do Tietê me apresso para as rolantes ao andar superior, ansioso com compromissos no Tribunal de Justiça do Pátio do Colégio.


Um chamado:
- Doutor espere, preciso lhe falar.
Volto-me. Aquela moça bonita, de cabelos castanhos chegando aos ombros, olhos vivos, algumas rugas revelando maturidade. Vestia uma blusa vermelha e saia preta combinando.
- Não me reconheceu? Eu sou a C.M. O senhor fez a minha separação e muito me ajudou...
- Mas, você está realmente muito bonita! Por isso não a reconheci.
- Casei-me de novo e mudarei para a Europa, disse ela. - Meu marido está sendo transferido para lá e mudaremos na semana que vem. Nem carro tenho mais. Vou visitar minha mãe em Santana. Me despedir.
Tomou minhas mãos, apertou-as e agradeceu.
- O senhor foi muito legal comigo.
Aproximou seu rosto para troca de beijinhos no rosto. Acedi.
Mas, não. Ela beijou-me na boca de modo delicado.
Apenas disse:
- Não confunda o amor.
Afastou-se, fez um sinal de adeus e seguiu nos rumos do metrô no sentido Santana (Tucuruvi).
Fiquei ali parado alguns minutos, me recompondo. Segui, então, no sentido contrário subindo as escadas rolantes para embarcar no metrô sentido Jabaquara. Em 15 minutos desceria na Praça da Sé.

Muito surpreso ainda lembrei-me bem do que se passara com ela havia alguns anos.
Fora contratado pelo seu ex-marido para formalizar a separação judicial. Por isso, desconfiada, a muito custo ela aceitou falar comigo.
Apresentou-se uma mulher envelhecida, de olhos fundos, muito magra, revelando no rosto seus desgostos com o casamento em vias de se encerrar de modo traumático.
 O marido já vivia com outra mulher.
Com cuidado fui dissipando as desigualdades, os desentendimentos diminuindo os traumas da separação que nesse caso eram evidentes.
Foi só isso. O que mais fizera que não fosse o que tinha que ser feito?”


15/06/2013

“QUAL SERÁ O NOSSO AMANHÃ?” (*) E AS PREVISÕES TENEBROSAS


O “Inferno”, novo livro de Dan Brown e a sua visão sobre o inferno de Dante Alighieri (Divina Comédia), e uma mensagem apocalíptica sobre a explosão populacional. (1).

Debrucei-me sobre o novo livro de Dan Brown, “Inferno”. Dentro de minhas possibilidades tenho por hábito não me prender a um tipo determinado de literatura, comecei a leitura com alguma desconfiança pelo apelo comercial que a obra poderia conter.
E ela contem mas há que destacar que no seu enredo trepidante há muito de cultura e descrição de pontos turísticos de Florença, Veneza e Istambul que normalmente fogem da atenção ou do interesse do viajante e do turista.


Eu que conheço as duas cidades italianas lamentei muito não ter chegado nem perto de todas as atrações que elas resguardam e reveladas pelo famoso autor de “Inferno”
Pois bem, gostei do livro.
A história de Dan Brown tem como ponto alto, o “Inferno” da Divina Comédia obra célebre de Dante Alighieri e nessa linha engendra as novas aventuras do seu herói Robert Langdon. O ponto de partida da história se fixa na pintura clássica do artista florentino Sandro Boticelli, horrível, “Mapa do Inferno”, que exatamente representa esse lugar de castigos eternos, segundo a interpretação do pintor às descrições de Dante Alighieri em sua obra. (2).



Já escrevi na minha crônica “Apocalipse Agora” sobre as seis bilhões de almas que habitavam a Terra há uns 15 anos e que agora já ultrapassam sete bilhões. (3).
Não consegui redescobrir com precisão as origens das informações, aquelas que batem na memória, lidas nalgum lugar há décadas e que se perderam.
Mas, nesse passado de décadas, certamente que numa publicação de proposições metafísicos, li que a Terra poderia suportar até seis bilhões de habitantes e suportar essa 'carga' com certa, “dignidade”.
Não de hoje, pois, tenho aquela marca na memória imaginando então, atingido aquele número, quais seriam as consequências.
Se bem me lembro, o número foi ressaltado na imprensa à época, mas logo superado embora a devastação ambiental, já elevada não tinha os rigores catastróficos de hoje, a fome persistia em países sem e em desenvolvimento, mas havia certo controle, um sentido de solidariedade, ainda que por ações limitadas de ajuda.
Hoje, com sete bilhões, constata-se a degradação ambiental preocupante, grave, poluição climática desenfreada, aumento da violência e da barbárie, as guerras de sempre fazendo vítimas inocentes e inocentes úteis, a fome, a inanição e do abandono à própria sorte de imensos contingentes populacionais.
E com tal quadro de horrores visto das nossas janelas tão próximo, ao alcance da mão, costuma gerar na mente de grandes grupos populacionais, dos mais variados níveis culturais e religiosos, alguma expectativa de catástrofe mundial iminente, como se deu, por exemplo, com as supostas previsões contidas no calendário maia, que eclodiriam em dezembro do ano passado.
Afinal de contas, não há muito, em dezembro de 2004, houve o “tsunami” na Ásia fazendo milhares de vítimas (mínimo de 220 mil mortos) e imensos estragos materiais e mais recentemente os terremotos no Japão dos quais, além das vítimas humanas, provocaram desastres radioativos gravíssimos com a destruição parcial de usinas atômicas.
Então, esse rumo para o qual segue o mundo tem sido para mim uma preocupação, digamos, “filosófica”, mas não omissa. Não para mim que não enfrentarei as dificuldades que se materializam e se agravam, mas meus descendentes.
Hoje, a vida já não está fácil de viver, convenhamos.


O livro “Inferno”, de Dan Brown coloca entre os protagonistas um cientista brilhante, apocalíptico, obsessivo, Bertrand Zobrist que altera de modo sutil pontos do quadro de Botticeli deixando uma mensagem cifrada sobre as ameaças de um vírus por ele criado que ameaçaria a própria sobrevivência da humanidade.
Langdon, então, juntamente com uma médica aliada enfrentariam dificuldades múltiplas para decifrar a mensagem e as consequências sombrias que adviriam.
Esse cientista pregava que a humanidade enfrentaria o caos, a degradação moral, a falta de alimentos, água, crises ambientais insolúveis com a explosão populacional, que antes de 2050 contaria com nove bilhões de habitantes.
Há referências às teses malthusianas que alertam para a crise da falta de alimentos considerando o crescimento da população em progressão geométrica enquanto os alimentos em progressão aritmética. (4)


Hoje, reafirme-se, há imensos bolsões de fome no mundo vitimando milhões de pessoas, incluindo crianças. Mas, para sustentar os “bem nascidos e remediados”, é inegável que a degradação ambiental se acentua exatamente para produzir alimentos a que custo for.


Pois bem, inserido no enredo da história, no livro de Dan Brown de 443 páginas movimentadas e cheias de reviravoltas se sobressai esta mensagem final:

“Os lugares mais sombrios do Inferno são reservados àqueles que se mantiveram neutros em tempos de crise moral. [Para Langdon] o significado destas palavras nunca estiveram tão claros: Em situações de perigo, não existe pecado maior do que a omissão.”

Essa frase repetida vezes no livro de Dan Brown, creio se baseia neste trecho no Inferno de Dante Alighieri:

“Tal horror espicaçava-me a mente, e eu disse a Virgílio: Mestre, que ouço agora? Que gente é esta, que a dor está prostrando?
Queixa-se dessa maneira”, tornou-me ele, “quem viveu com indiferença a vida, sem ter nunca merecido nem louvor nem censura ignominiosa. Faz-lhes companhia um grupo de anjos mesquinhos, que a Deus não manifestaram nem fidelidade nem rebeldia, expulsos dos céus; nem o inferno profundo os acolhera, pois os anjos rebeldes se jactariam de lhes serem superiores em algo.” (5).

Os que desejarem saber o desfecho dessa história, precisarão ler o livro de Dan Brown.

Legendas:

(*) Nome no Brasil, do filme “Battle Cry” de 1955 – Diretor Raoul Walsh, ambientado nos tempos da 2ª Guerra Mundial
(1) “Inferno” de Dan Brown - Editora Arqueiro (2013)
(2) Sandro Botticelli, nascido em Florença, Itália, em 1445 e lá falecido em 1510. Uma obra famosa do artista: “O nascimento de Vênus”
(3) Minha crônica “Apocalipse Agora”, neste blog, de 13.12.2011
(4) Thomas Robert Malthus (14.02.1766 - 23.12.1834)
(5) “A Divina Comédia” de Dante Alighieri (Florença, 1°.06.1265 – Ravena, 13 ou 14.09.1321) é composta de três partes: “visita” do autor como personagem, ao inferno e ao purgatório, guiado pelo poeta latino Virgílio. Conhece primeiramente o inferno e todos os pecadores, que incorreram nos mais variados pecados, sofrendo os castigos eternos segundo suas culpas, ao purgatório e, quando chega ao paraíso, é conduzido por Beatriz, sua amada, cujo amor não foi correspondido.
Vali-me nesta crônica da edição da L&PM Pocket de 2006, “Obra [na maior parte] adaptada para prosa”.

Imagens:

Florença, Itália

Quadro de Sandro Botticelli "Mapa do Inferno" e detalhes em zoom



Apêndice:

MATA ATLÂNTICA EM MINAS VIRA CARVÃO PARA OS FORNOS DE SIDERÚRGICAS

Ainda que escrevendo somente para mim, nos veículos restritos que tenho disponível, inclusive neste, escrevi, entre outros, dezenas de artigos revelando minha angústia com a devastação ambiental.
Essa devastação no Brasil é dolorosa e preocupante, mas a grande maioria dos povos se fecha num casulo principalmente por estas plagas, vibrando com novelas, com o futebol em particular, ficando ao “Deus dará” a providência para esses abusos ambientais inomináveis.
Afinal de contas, ouve-se – e há literatura de autoajuda recomendando isso -, “eu vivo o presente – o futuro a Deus pertence”; mas nesse futuro insondável há o conjunto familiar, filhos e netos.
Há dias voltei a me escandalizar, porque já estive revoltado antes, com esta notícia e mesma notícia:

“(...) É a quarta vez consecutiva que o Estado [Minas Gerais] lidera o ranking de perda da floresta [Atlântica].”
“Sozinho, o Estado foi responsável por metade do desmatamento do período, ali realizado principalmente para fazer carvão para abastecer fornos de siderúrgicas. Considerando somente as florestas (e não outros tipos de vegetação da Mata Atlântica), houve perda de 10.7512 há no Estado entre 2011 e 2013 – um crescimento de70% em relação ao ano anterior.”(Jornal “O Estado de São Paulo” de 05.06.2013).
É isso
Árvores nobres, de uma reserva diminuta, algo em torno de 8% de sua extensão original, sendo convertidas em carvão para sustentar, ainda hoje, com tanta tecnologia disponível, siderúrgicas mineiras. Trata-se de insanidade inacreditável, um crime que se mantem impune. Por quais interesses essa prática se mantem é bem fácil entender: a linguagem do dinheiro que a poucos beneficia.
E a impunidade é tanta que o governo federal comemora, no que se refere à Amazônia ainda cheia de elementos a desvendar, tantas vidas selvagens sendo ceifadas, os quantos quilômetros foram devastados de um ano para outro. Trata-se de postura enganosa porque de ano para ano, num mais noutro menos, a floresta vai desaparecendo mesmo que todos saibam que é ela que tempera o clima.
Há com efetividade um círculo de incompetência e irresponsabilidade porque os atos insanos se referem ao aqui de agora.
O futuro, ora, a Deus pertence.

No trajeto do estado de São Paulo para Minas Gerais, via Anhaguera e na sua continuação no território mineiro, são imensas as áreas devastadas, largas extensões abandonadas. Há um misto de plantação de cana e milho. Nessas áreas a perder de vista, não houve, de regra, a preservação pequena que fosse, da vegetação nativa ou replantio de árvores, de micro bosques.
Claro que não adentrei em tais áreas, mas nada me convence que minas foram levadas de roldão pela mesma devastação que aumenta a incidência da seca.

O que adianta se referir a tais omissões e insanidades? Se a ninguém, serve para mim. Não serei eu quem se conformará. Não sou omisso.



21/05/2013

(RE?) DESCOBRINDO ÉRICO VERÍSSIMO



De Érico Veríssimo, escritor gaúcho (Cruz Alta, 1905 –  Porto Alegre, 1975) li meio descompromissado, porque o autor, pela minha ignorância, não me dizia muito, suas obras seguintes:


A Vida de Joana D’ Arc

Olhai os lírios do campo

O Senhor Embaixador

Incidente em Antares

Solo de Clarineta (2 volumes).


Esses livros que li do brilhante autor, tanto tempo faz, que tenho apenas fragmentos dos seus temas e enredos – salvo sobre Joana D’Arc porque se trata de história que sempre me interessou e já me vali de outras obras. Teria que recolocar, então, esses livros na minha fila de prioridades, porque os tenho comigo.


Nestes tempos, após enveredar por diferentes temas literários, voltei-me para minha pequena estante, e lá estavam, como estão, aguardando o merecido desvendamento ainda da saga “O tempo e o vento”:

O Continente – Volumes 1 e 2

O Retrato – Volumes 1 e 2

O arquipélago – Volumes 1 a 3


Há pouco acabei de ler o 1° volume de “O Continente” que me surpreendeu muito. Nesse livro há um pouco de tudo, muito bem entrelaçado: traição, paixão, aventura, guerra, assassinato, sensualismo com “um certo capitão Rodrigo” e todos os ingredientes de um romance que empolga em todas as suas páginas.




Já lido também o 2° volume, achei curiosa uma “constatação” do Autor referente às refeições lautas servidas nas casas abastadas lá pelos idos da primeira metade do século XIX nas quais não havia “nenhuma verdura”:


“Winter [o médico] olhava admirado para aquilo tudo. Era simplesmente assustadora a quantidade de pratos que havia nas refeições das gentes remediadas ou ricas da Província. Nunca menos de seis, e às vezes até dez. Não raro numa refeição serviam-se quatro ou cinco variedades de carnes e nenhuma verdura.”

E depois ainda viria mandioca frita. É pouco?

  
Parto para a provocação: no grande Rio Grande do Sul, as coisas não continuam assim mesmo? Há tempos, em duas oportunidades, participando, sem dele nada experimentar, de  um churrasco em Porto Alegre num meio-dia quente de sábado, um amigo me provocava insistindo que eu experimentasse um torresmo feito um cubinho todo de gordura suína – se espremido verteria  gotas de colesterol “in natura” ; numa outra vez, para comer algo, já que pouco ou nada comia nas terras porto-alegrenses, numa noite fui a uma pizzaria; não me dei bem, restaurante à meia luz com  uma turma jovem reunida na cerveja e nada da comida italiana, é claro. Ainda assim, pedi a pizza que se revelou ruinzinha. Os circunstantes que ouviram o pedido me olharam intrigados imaginando de qual planeta eu procedia.

Incidente em Antares”

Para ler a resenha de "Incidente em Antares", acessar:  

TEXTO AMPLIADO


"O Arquipélago" - 3 volumes     
  
Estou encerrando a leitura do 3° volume. Gostei, há momentos nos quais os relatos são superiores, mas os capítulos "reunião de família" em todos eles me pareceram redundantes... chatos. 
                         
Vou encerrando o meu “descobrimento maduro” de Érico Veríssimo: hoje entendo os filmes e as séries de televisão que seus romances inspiraram. Para mim, sua obra é agora uma surpresa muito positiva. E eu isso confesso mesmo que tardiamente.




Um tributo a “Os Sertões” de Euclides da Cunha


Penso ser uma obra pouco conhecida de Veríssimo o livro “Breve História da Literatura Brasileira”, no qual foram concentradas suas conferências em inglês na Universidade da Califórnia, em Berkeley, que abrangeram os autores pátrios desde a “época colonial até a Geração de 45.”


Um trabalho de fôlego no qual explanou os aspectos mais significativos dos vários escritores brasileiros nesse longo período, chamando-me a atenção por uma particularidade ao se referir a “Os Sertões” de Euclides da Cunha: a sua sinceridade que se dera exatamente comigo ao ler o “livrão” euclidiano:


“Milhares de pessoas liam “os Sertões”. A maioria dos leitores ficou fascinada em especial com o estilo do escritor. [E aqui a sinceridade] Muitos saltavam [e saltam] os dois primeiros capítulos – “A Terra” e “O Homem” – porque os achavam demasiado sobrecarregado de termos técnicos, mas detinham-se sofregamente na última parte da obra – “A Luta” – porque tinha o sabor de um bom romance cheio de intrigas, pathos (*) e drama.”

(*Pathos, entre outros significados, "paixão”).


Do capítulo “A Terra” li trechos inclusive me impressionando muito a referência à prática pelos próprios indígenas das terríveis queimadas das matas para “limpar terreno” ação extremamente danosa para o meio ambiente que é adotada até hoje.


Embora esteja me referindo a Érico Veríssimo, no que se refere ainda a “Os Sertões”, a obra de Euclides quando lida com cuidado – mesmo com as dificuldades do vernáculo difícil do autor – suscitam admiração. 
O próprio Mario Vargas Llosa, Prêmio Nobel de Literatura em 2010, baseado em “Os Sertões” escreveu o romance “A guerra do fim do mundo”, com 790 páginas no qual no prólogo revela:

“Eu não teria escrito este romance sem Euclides da Cunha, cujo livro “O Sertões” me revelou , em 1972, a guerra de Canudos, um personagem trágico e um dos maiores narradores latino-americanos.”



Imagens:


Capa de “O Continente 2”, 24ª edição – Ed. Globo;

Capa de “Incidente em Antares” – edição do Círculo do Livro de 1975 – Autor da capa: Natanael Longo de Oliveira.



16/05/2013

CONTRASTES: ILHABELA x CENTRO VELHO DE SÃO PAULO



A VOZ DO MAR AO MEIO-DIA...ILHABELA

O sol é o do meio-dia e bate forte nas águas emitindo luzes que ofuscam. Menos que ondas, o mar tepidamente bate nas pedras logo abaixo. As praias são irregulares e estreitíssimas onde estou. Aquele som inigualável do vai-e-vem das águas: o que elas me transmitem naquele instante?


A linguagem da serenidade.
Tive essa sensação transcendente por alguns segundos.
E pergunto: por que não é sempre assim?
As águas batem com a mesma suavidade e me respondem:
- Não tente me desvendar. Respeite as minhas anormalidades. Não há enigmas apenas siga minhas regras e cuidados. Porque senão eu te devoro. E não que eu goste, mas tenho que ser respeitado por causa da minha imensidão cujo controle se perde.
- Mas, o mar revolto avança sobre a terra, cidades, destruindo tudo à frente e afogando milhares de pessoas, sussurrei.
- Eu pertenço a um conjunto de dádivas ofertado pelos deuses. Quando as profundezas eclodem num grito de desespero de mudanças eu reajo na mesma proporção. À ira dos deuses. E essa reação pode significar a destruição e a morte. Mas, sei que você está neste mundo de violência sem causa. Lembre-se que há um sentido de ação e reação. Ademais, vocês são os grandes destruidores e agentes do desequilíbrio. Vocês recebem mensagens amargas e nem assim se dão conta de quão nefastas são suas ações devastadoras.
Não respondi. Contentei-me em ouvir o som harmonioso das ondas batendo nas pedras da praia, porque vivia um momento de serenidade inspirada pela voz suave do mar, numa pequena praia olhando ao longe na sua imensidão.
Mas, quanto o mar inspirou poetas!



Olhei para um lado, para o alto e os montes estavam ainda verdes. No amanhecer, nuvens escuras se formavam no pico naquela alquimia de mata é água.


Crônica com tema correlacionado: 

“Ilhabela, nascentes e borboletas” de 14.03.2010.
  

BREVE VOLTA A SÃO PAULO

Dia 15.05.2013 – “Centro Velho de São Paulo”



O denominado Centro Velho de São Paulo foi ofuscado pela região da avenida Paulista, que alguém já disse ser a mais paulista das avenidas da cidade.

Meu compromisso se dará no Centro Velho. Os trens do Metrô funcionaram bem.
Saio da Estação Tietê e desço na Estação São Bento. São 10h00. Os sinos do Convento / Igreja do Largo batem freneticamente. Harmoniosamente.  Agradável.
A rua estava limpa. Surpresa?
Praça do Patriarca, nome em homenagem ao Patriarca da Independência José Bonifácio de Andrada e Silva: relativamente limpa. Há aqueles, que não se sabe de onde insistem em produzir sujeira na praça.


Entro por alguns instantes na Igreja de Santo Antônio. Ali, na solenidade do ambiente à esquerda o confessionário. Flagro, quando a portinhola se abre, um padre de branco, esperando novos confessores. E eles comparecem. Saem da confissão, pelo jeito, mais leves, fazem o sinal da cruz reverente, de frente para o altar e saem. Não sei das penitências.


À esquerda da igrejinha de Santo Antônio, um prédio baixo, estreito, a sede paulista do extinto banco de São Caetano do Sul, que trabalhava, então, na “velocidade dos computadores”. Uma referência naquela cidade do ABC, sustentado pelo grosso dos depósitos da General Motors. Ah, aqueles tempos.
À direita, na esquina com a Líbero Badaró, o também extinto Hotel Othon Palace, hoje uma agência do Itaú.
Até ali minhas impressões eram das melhores.
Mas, sempre o “mas”: o Largo de São Francisco que sempre que posso por lá passo para rever a Faculdade que me rejeitou, porque já expliquei ser péssimo aluno, então, e me deparo, encostados na mureta à direita, um dormitório de uma dezena de mendigos. Mau cheiro. Um casal dormia coberto por trapos em plena calçada da rua José Bonifácio, “atrapalhando o trânsito” dos pedestres.


Mais tarde rumo para a Praça da Sé para embarcar no Metrô. Paro um pouco na frente da Catedral. Cheiro forte de banheiro público. Pessoas mal cheirosas.
Ora, a pobreza não precisa cheirar daquele jeito.
Saio logo dali.  Deixo a minha cidade natal com alguma angústia.

Crônicas correlatas:

“Largo de São Francisco. A Academia de São Paulo” de 30.05.2009

“Raízes sancaetanenes” (I) de 21.06.2009 e (II) de 11.07.2009

“Crônica Paulistana” de 26.07.2009

(Há outras)


Fotos:

1. Da Ilhabela, minhas
2. Da Avenida Paulista, da janela, de Isabel Vasconcelos, via celular
3. As demais, from Google




29/03/2013

O TOURO MANSO



Eu conto como ouvi, uma daquelas lendas que se dão no sertão que pode ser verdade, ter um fundo de verdade ou simplesmente não ser verdade – uma mistura de eventos que inspiram um contar, um poema, uma canção.

Deu-se naqueles tempos de ar limpo, de mata fechada, naqueles tempos em que se viam coisas pulando nos mourões, fantasminhas que deixaram de assustar tal como o fogo fátuo que se deixava ver nos pântanos pela estranha combustão de gazes exalados por corpos mal sepultos.



Aos entardeceres eram inspiradores e as noites, sem as luzes dos sítios, eram imensas de estrelas, a lua brilhava mais e a mata fechada emitia sua luz própria misturando-se com o luar. 



Aquelas luzes esverdeadas, leves no seu esplendor. Porque não só animais livres por ali habitavam. Porque havia seres que oravam para divindades desconhecidas.


 Por aquelas paragens não havia naqueles tempos a caça, mas a pesca naqueles lagos que se comunicavam com os pântanos, nos riachos que cresciam das fontes límpidas naqueles meios secretos.

A estância era simples, uns alqueires de terra, lavrada com frutíferas e além da subsistência, porque frutas e o feijão sempre sobravam eram vendidos na cidade. Há muito que era assim.

Uns tantos bois que ajudavam na terra e vacas, o leite garantido, a manteiga garantida também vendida na sobra e em tudo havia o conforto da pequena casa, a paz possível, a certeza do dia seguinte.

Um dia apareceu por lá um touro perdido.



- Ora, de quem é esse tourinho?


O sertanejo procura por todo parte o dono do touro e nada.

O animal muito manso foi ficando e se tornou reprodutor da estância. Até que o dono aparecesse e vindicasse sua propriedade.

O estancieiro, homem rude, cabelos esbranquiçados cobertos pelo chapéu marrom desbotado, rugas profundas do sol-a-sol, mãos ásperas de calos se sentia incomodado quando se obrigava a vender cabeças.

Não gostava de encarar seus bois e vacas velhos entregues porque parecia que eles o encaravam temerosos, não estavam destacados para os campos, mas separados num pequeno espaço e com brutalidade empurrados para o caminhão.

Saía de perto como se isso aliviasse sua angústia em ver seus animais mansos no caminho do corte.

Seu filho mais velho se divertia:

- Lá vai a vaca velha virar bife. E esses bois capengas...

Tinha ele instintos maldosos. Nem os cachorros a ele se afeiçoavam porque sujeitos a um pontapé quando distraídos.

Não adiantavam as broncas de seu pai, de sua mãe que chorava até pelos seus animais quando levados, de suas duas irmãs.

Numa dessas noites chuvosas, o velho estanceiro se foi num sono tranquilo contente porque chovia.

Com aquele semblante de riso, não mais acordou.

Enquanto a família não decidia o que fazer sem o pai, o primogênito passou a cuidar da estância.

Tratava mal os animais. Ao abrir a porteira para que os bois fossem para o pasto, dava-lhes pancadas com uma grossa vara e ao touro aparecido fazia o mesmo, com mais força e dizia:

- Qualquer dia te castro seu touro manso. Tu vais para a terra ou te vendo pro caminhão.

E assim por meses e meses. Sua irmã muito se irritava com esses maus modos do irmão e sempre que podia, ela mesma abria a porteira acariciando as vacas recém ordenhadas e falando com os bois e com o touro aparecido.

O moço já havia decidido que não ficaria na estância. Ouvira dizer que no estrangeiro havia competições entre vaqueiros montados em cavalos laçando novilhos ou equilíbrio no touro bravo e coisas assim. Diziam que dava dinheiro e prêmios. Não tinha certeza disso. Ou se arriscaria nalguma coisa que não fosse a monotonia da estância, sem futuro para suprir seu temperamento agressivo.

Acertara que seus cunhados cuidariam das terras.

Talvez na última vez em que abriria a porteira, mas violento que nunca em espantar os animais para o pasto, por último o touro aparecido, estancado a poucos metros.

- Venha logo seu touro chifrudo e mole. Hoje você vai sentir o quanto dói uma saudade.

O animal fez um movimento incomum com uma das patas e partiu em direção ao seu algoz. Atingido em cheio, prensado no mourão, perfurado pelos chifres em ponto vitais no seu peito, a morte fora instantânea:

-  Seu mal..., não concluiu.

De nada adiantou o desespero de suas irmãs e de sua idosa mãe que gritava entre soluços de um choro compulsivo:

- Eu disse, eu disse pra ele.

Os cachorros sem entender o alvoroço da cena latiam, latiam para o touro, para o ferido estirado no chão duro da terra batida.

Algum tempo depois, o touro foi entregue ao caminhão. (*)

Sua presença se tornara amarga para a família do morto.


FOTOS:
1. Fogo fátuo: Wikepédia;
2. Entardeceres / 'Céu lindo': Milton Pimentel Martins
3. Luz na floresta: tramadasletras.blogspot.com.br
4. Touro: Google

(*) V. Crônica de tema correlato: "Fábula: a vaca e o leão" de 04.07.2010