05/07/2014

A CORUJA PERNETA

ANIMAIS (ZINHOS) E BICHOS constitui-se uma crônica publicada em 10.04.2009 neste “Temas” falando de várias espécies que me marcaram. Por gostar muito, resolvi separar cada animalzinho fazendo uma crônica para cada um deles. A introdução original a essas republicações pode ser lida na crônica “O escorpião no sapato” de 04.03.2014.
Outros "bichos" que republicarei:
Abelhas
O leitãozinho
("O quati" já foi republicado em "Quatizada em Águas de São Pedro" de 14.07.2013 e “O escorpião no sapato” 04.03.2014 neste “Temas”).
A coruja perneta

Numa tarde modorrenta de domingo, eis que uma coruja - ave muito comum no interiorzão de São Paulo, onde fazem seus ninhos em covinhas nos campos – no alto de um telhado vizinho, debatia-se para soltar sua perninha dos arames que retinham uma antena de televisão. Encontrava-se presa num desses fios onde se forma uma espécie de “v” ou “y”. Tentava se soltar pressionando a perninha no sentido do vértice da forquilha o que cada vez mais a feria.




Para melhor enxergá-la, munimo-nos de um binóculo. A perninha presa sangrava e mais se feria na medida em que forçava para escapar da “armadilha”.
Um dos meus filhos, verdadeiro “animal trepador”, então, resolveu soltá-la. Chegou ao telhado do sobrado escalando muros e, com jeito, alcançou a corujinha. Já exausta e ferida não esboçou reação alguma, quem sabe conformada com o seu fim, eis que o inimigo cruel chegara para abatê-la impiedosamente.
Num movimento suave foi ela solta. Após alguns segundos, percebendo a liberdade, voou para uma folha alta de coqueiro, numa área verde próxima. Estava salva. Vacilara um pouco em voltar para seu esconderijo bem embaixo do coqueiro. Não demoraria muito, ela desapareceria. Sua cova estava vazia.
Algum tempo depois, ela reapareceu, mas empoleirada numa folha de coqueiro de minha casa – aquele tipo de coqueiro classificado de “anão” mas que vai crescendo e engordando como gota próximo da terra e se tornando alto e inalcançável. Certa vez, ainda não tão alto como hoje, ele produziu duma só vez 76 cocos, algo inimaginável. Não se trata de conversa de ...pescador, até porque falo de cocos e não de peixes pescados, até porque odeio pescar. Jamais pesquei e detesto! Muito me diz numa frase de Leon Tolstoi em “Ana Karenina”: “Gostava de pescar a linha e parecia envaidecer-se com o fato de apreciar um entretenimento tão estúpido.”
Ainda baixo o coqueiro a coruja ali se acomodou, sem a perninha esquerda. Certamente que infecionara se atrofiando, resultando na sua amputação. Dali do coqueiro ela não fugia, ficava horas quietinha. Deixava-se tranquilamente examinar com o binóculo mesmo com a curta distância entre nós e a folha na qual se apoiava. Dava voltas de quase 180 graus com sua cabeça.
Não sei se seu instinto revelara que ali, naquele coqueiro, naquele lugar havia segurança para ela ou se, no seu pequeno cérebro, espocara algum sentido de gratidão.
À noite, ela desaparecia. Nas proximidades, uma coruja chirriava de forma arrepiante. Talvez fosse ela nos estertores de sua vida.
Um dia ela (ou ele?) sumiu. Talvez tenha sido ceifada por infecção na região da perninha amputada.
Ficou sua imagem e a nossa gratidão em estar conosco por algum tempo.



[O coqueiro que dava cocos em profusão precisou ser cortado, infelizmente; cresceu demais, passara a ser difícil colher os seus frutos, eles caiam no telhado, quebravam telhas. Ainda lá está no canteiro, a marca de seu tronco que na base era gordo sem que houvesse sinal de que parasse de engordar. Mas, foi uma perda.]

23/05/2014

REGISTROS

Esperanças que não morrem

Nestes tempos conturbados, tempos das angústias e de dúvidas, da violência e da crueldade, da degradação ambiental e da desesperança que assalta a alma de tantos, selecionei um pequeno texto de página de Fiódor DOSTOIÉVSKI, de sua obra "Recordações da Casa dos Mortos" que explana sobre lições de esperança de presos isolados e sem esperança de liberdade, porém, numa prisão na Sibéria, naquele seu tempo:

Animais de toda Terra, uni-vos

Nas redes sociais não são poucos os aficionados em defesa dos animais que para impressionar divulgam fotos dolorosas da prática de crueldade contra os animais indefesos que, na sua “consciência”, a maioria está ansiosa por amar e ser amada pelo deus homo sapiens.

Na década de 20, Monteiro Lobato, tudo indica que inspirado no Manifesto Comunista de Karl Marx e Friedrich Engel de 1847/1848 (“Proletários de todos os países, uni-vos”) nas páginas de sua obra “Onda Verde” proclamou ele, não sem antes apontar a crueldade contra os animais, um “manifesto animal” com este apelo:

“Animais  todos da Terra, basta de submissão! Uni-vos.” 

O "manifesto" animal de Lobato:


Informação que não disponho é se Lobato só ficou no “manifesto animal” ou se foi além disso na proteção aos bichos

Glossário - palavras no texto de Lobato:

Mundéu: armadilha de caça;
Glabro: sem pelos;
Calceta: espécie de grilhões que controlam o movimento do preso;
Torquemada, Tomás de  - O Grande Inquisidor nos reinos de Castela e Aragão no século XV;
Prometeu: na mitologia grega, um semideus. Punido por Zeus, por dele ter roubado o fogo e dar aos mortais. Por isso foi castigado, amarrado numa pedra, durante o dia uma grande águia comia o seu fígado que voltava a crescer no dia seguinte.


Os tempos se foram

No ano ‘X DC’ trabalhei na então denominada “Scania Vabis”, empresa sueca anos a frente em termos de relações humanas e ambiente de trabalho. Lá no Ipiranga - SP, a empresa possuía apenas um telefone e, por essa limitação, a maioria dos contatos com a matriz (Södertälje) se dava por telegrama e correios sem sedex. 

Comunicações precárias naqueles idos de Brasil atrasado, também confuso e repleto de movimentos sindicais e greve. Por esses ingredientes, à medida que a autoridade oficial se perdia na indecisão ou era sabotada, deu-se o golpe militar de 1964, a bem dizer muito comemorado pela classe média. Não só por ela, é sempre bom que se diga, porque anos depois viriam vozes que o condenaram mas que se mantiveram, então, num engajamento de alívio e apoio.

A fábrica sueca ficava na rua Guamiranga – Ipiranga, nas proximidades da então estação Vemag (hoje Tamanduateí) da CPTM (antiga Santos a Jundiaí).

Os caminhões Scania Vabis da própria fábrica pela sua altura muitas vezes foram a salvação nas enchentes frequentes por ali naqueles idos, para todos aqueles que precisavam sair da fábrica e chegar até a estação de trem. Quanto fiz isso!


A fábrica Vemag, na rua Vemag – nome mantido até hoje no Ipiranga / Sacoman - com muita relação industrial com a Scania Vabis era bem perto, vizinha, tudo próximo. A Vemag desde 1958 fabricava os veículos 'brasileiros'  DKW. 

 O meu sonho era um dia adquirir o jipinho “Candango” porque andava muito e muitas vezes, como passageiro fui ao centro de São Paulo. 

 
Não teria como comprar. Sempre quis um jeep, nunca tive. Um brinquedo com o qual não consegui brincar. 

Os veículos da Vemag desapareceram. A fábrica e tudo o mais foi comprado pela Volkswagen em 1967, claro, aquela linha de carros não poderia continuar. (*)

A linha de veículos da Vemag:
 


Afinal, diziam, era uma mecânica obsoleta e o fusca era o fusca. Sei não.

Já disse alhures que naqueles tempos quem tinha um fusca era “rei”.

Os tempos se foram e eles deixaram o passado pelo caminho.


(*) Tive essa experiência de “esvaziamento” profissional quando, na década de 80 a VW comprou as instalações da Chrysler de São Bernardo do Campo e Santo André, encerrando a produção da linha Dodge, inclusive do Polara, excelente carro 1.8.