20/11/2014

O LEITÃOZINHO DE NATAL

Tenho muito o que contar desse tempo remoto. Ainda contarei um dia desses, desse cotidiano do passado que teve expressão forte em tudo o que vivi.




Mas, agora, só o leitãozinho esfaqueado será o tema.


Sempre que ia ao açougue naqueles tempos já saindo da meninice me desagradava aqueles ganchos nos quais eram pendurados pedaços de cadáver de porco e boi.
Muitas vezes, no mesmo horário de domingo, lá estava o chinês dono de pastelaria próxima, aproveitando o moedor do açougue para preparar o recheio dos pastéis. Os filetes da carne moída e das pelancas que se misturavam caiam numa bacia imunda, meio amassada, contendo nas reentrâncias resíduos de outras moagens.
Os pedaços de porco mais me impressionavam porque havia alguns anos assistira ao abate de um leitãozinho que circulava meio livre pelo quintal.
Lá estava o bichinho, presente que meu pai recebera, nem sei bem porque e de quem.


Chegou o dia de ser abatido assim foi anunciado. Fim de ano. O vizinho afeito à matança desses animais se prontificara a não só abater o bicho já grandinho como retalhá-lo em pedaços para serem consumidos.
O Natal seria comemorado dali a pouco.
Numa manhã de domingo tal se consumou. O homem, já velho, curvado, nariz avantajado com crateras lunares, olhos avermelhados, sofridos, sem expressão, de chapéu de feltro batido e desbotado, escondendo seus cabelos grisalhos, apropriou-se de uma faca enorme, agarrou sem dificuldades o porquinho porque habituado à presença de todos, segurou-o pelas costas apertado-o no seu peito com o braço esquerdo e com a mão direita desferiu o golpe abaixo de sua pata dianteira em direção ao coração.
A facada não atingira o coração do bicho. Gritando desesperado, pressentindo a traição e a morte iminente, aqueles olhos vermelhos procuravam por todos em sua volta em quem confiara e recebera carinho ou atenção, de mim especialmente, se debatendo não demorou, momentos depois, a perecer num segundo golpe, agora certeiro.

Não sei, mas seus olhos morreram fixados nos meus.

Nota:
Sobre “animaizinhos” já republiquei neste Temas:

Abelhas e vespas” - 03.08.2014








“ A coruja perneta” - 05.07.2014









“ O escorpião no sapato” - 04.03.2014










“ O meu quati [Quatizada em Águas de São Pedro]” - 14.07.2013

[“O leitãozinho de natal” é o último]


02/11/2014

DEVASTAÇÃO DA AMAZÔNIA E DO CERRADO

Explicação
Não me interpretem como surfista da onda, no que se refere a posicionamentos sobre a devastação ambiental que se dá na Amazônia e no Cerrado.
Não! Sobre esses temas já escrevi muito, exagerando ou não, emocional ou revoltado porque a Amazônia e o Cerrado são dois biomas importantíssimos. Com a Mata Atlântica – da qual hoje só há fragmentos – formam (ainda) um conjunto primoroso de equilíbrio ambiental, a vida exuberante naturalmente se extinguindo e renascendo nesse processo misterioso organizado pelos deuses da natureza.
Esse ciclo vem sendo duramente afetado pela ação predatória do homem.
Das dezenas de artigos que escrevi sobre questões ambientais notei que uns poucos interessados se aplicaram em sua leitura. Lembro que o meu “Queimadas e devastações” de 30.08.2010 foi transcrito nas páginas do CEPTEC - Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos / INPE - Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais.

Biomas



AMAZÔNIA DEGRADADA
A comunidade científica que estuda o meio ambiente chegou à conclusão que a degradação sistemática que se dá na Amazônia por anos a fio, afeta o ciclo de chuvas no Centro-Oeste e Sudeste atingindo a culminância neste ano de 2014 com seca jamais vista e não se sabe como será o ano de 2015.
A grande cidade de São Paulo, com mais de 10 milhões de pessoas nestes primeiros dias de novembro, está na iminência de ficar sem água para as necessidades básicas, uma possibilidade caótica.
Não há muito fizera uma metáfora, em defesa da Amazônia pugnando pelo desmatamento zero, que as chuvas eram o suor das árvores. E eis que essa metáfora não seria novidade no modo científico de explicar as chuvas que escasseiam por aqui.
Agora vozes autorizadas defendem que o desmatamento zero só não basta para repor à floresta alguma normalidade, é imprescindível o reflorestamento com vegetação nativa em todas as áreas degradadas pelos pastos que se perderam com a erosão. E essas intervenções, todos sabem, são criminosas, especialmente com as queimadas imensas para “limpar” terreno.
Meu apelo, meu grito de alerta: chega de gado, chega de carne, chega de soja que alimenta o gado em alto porcentual da produção. Os bois consomem florestas e água em profusão.
Até quando essa “prioridade” insana prevalecerá? Até quando a retirada ilegal da madeira? Até quando esse dinheiro sujo?
Nessas ações criminosas nada é respeitado, nem as próprias árvores, centenárias que sejam, nem a fauna. A estupidez é tanta que não se preocupam, esses bandidos, com a alteração ambiental graves que agora se torna flagrante.
Números: nos últimos 40 anos houve a destruição de 763 mil quilômetros quadrados da floresta Amazônica, equivalente a três Estados de São Paulo. Segundo Antônio Donato Nobre, do INPE em estudo a propósito:
Já foram destruídas pelo menos 42 bilhões de árvores na Amazônia (…) cerca de 2.000 árvores por minuto. Os danos dessa devastação já são sentidos, tanto no clima da Amazônia – que tem estação de seca aumentada a cada ano – quanto a milhares de quilômetros dali.” (1)
A floresta, com a umidade que exsuda, leva os denominados rios aéreos para outras regiões e as chuvas caem. Sua degradação impacta negativamente nessa sua tarefa natural em suprir o continente de água, os mananciais e as nascentes.

Devastação zero na Amazônia e reflorestamento em larga escala já. Sabem, estou falando nada mais nada menos da água como “resíduo” das ações da floresta que “soam” trilhões de litros. Eu disse ÁGUA!


O CERRADO EM PROCESSO DE EXTINÇÃO

A tragédia vem se materializando dia a dia.

Vou tentar explanar os pontos principais do que disse o cientista Altair Sales Barbosa da PUC - Goiás, em recente entrevista. (2)

O Cerrado é um bioma composto de vegetação que depende de solo oligotrófico  [nível baixo de nutrientes].

A vegetação do Cerrado é antiquíssima, de milhões de anos dos ciclos da Terra, anterior à própria Amazônia.

Nesse passo, a devastação que lá ocorre é irreversível, isto é, não permite sua recuperação natural, como é possível na Amazônia, pelo que o Cerrado está hoje em avançado processo de extinção.

Com o desenvolvimento das pastagens e culturas introduzidas entre outras ações maléficas do homem - inclusive produzindo carvão das espécies - a alteração do solo de maneira assim drástica afeta os lençóis freáticos porque "sem a vegetação nativa a água não pode mais se infiltrar na terra", como ocorria com o bioma preservado. Um desastre.

No Cerrado estão as nascentes que sustentam as grandes bacias sul-americanas: "em media dez pequenos rios do Cerrado desaparecem a cada ano que alimentam os maiores que, por isso, vão diminuindo a sua vazão."

E nesse diapasão, numa escala crescente.

Disse mais o entrevistado,

"De todas as formas de vegetação que existem, o Cerrado é o que mais limpa a atmosfera. Isso ocorre porque ele se alimenta basicamente de gás carbônico que está no ar, porque o seu solo é oligotrófico."

E ainda,

"As plantas do Cerrado são de crescimento lento. Quando Pedro Alvares Cabral chegou ao Brasil, os buritis que vemos hoje estavam nascendo, eles duram 500 anos para ter de 25 a 30 metros,  também por isso o bioma é irreversível."

Os buritis, pela alteração do solo, dificilmente podem ser cultivados, e se tal se der alcançando-se um resultado improvável, seu crescimento levará séculos.


COMO SE CONSTATA, SEM MEDIDAS CORRETIVAS IMEDIATAS, MUDANÇAS DE ATITUDES, O APOCALÍPSE VAI SENDO PLANTADO COM ECLOSÃO PARA BREVE.


RIO SÃO FRANCISCO

Não entrarei na polêmica do projeto da transposição do Rio São Francisco, obra iniciada em 2007  já com atraso de anos. A decisão política da obra já foi debatida até demais.

Do ponto de vista ambiental, há que acentuar que sua nascente recentemente secou como resultado da estiagem severa, jamais vista ou pouco vista por estas plagas do Centro-Sudeste.

Em longas extensões de suas margens, a mata ciliar foi devastada, ocorrem desbarrancamentos frequentes que afetam sua profundidade, joga-se lixo em suas bordas(?!).

Antes de iniciar as obras de transposição, o Rio São Francisco deveria ter passado por um processo cuidadoso de reconstituição de suas margens com a recomposição da mata ciliar e outras medidas que garantam sua perenidade.

Assim permanecendo, em poucos anos o sistema de transposição de elevadíssimo custo, será nada mais do que uma esperança frustrada, de desperdício e o grande rio uma caricatura do que foi.

Nem pensar, nem pensar.


VARIEDADES

Calçada 'cascuda'

Sei de muitos que implicam com árvores plantadas em frente à sua residência, mesmo que ela nada afetam a calçada ou mesmo a circulação. A sombra sempre lá está, porém.

Esses impacientes, implicam com as folhas, com as flores, com os frutos por isso, geralmente em residências mais novas encontra-se calçadas "cascudas", isto é, piso estéril, sem nenhum espaço para uma muda sequer.




Se você desejar contribuir para a melhoria ambiental, enfim, com a diminuição do aquecimento climático, plante uma ou duas árvores na sua calçada. Uma "célula" ecológica.

Uma árvore que não cresce muito produz poucas folhas, as flores são de pequeno porte, brancas, é a melaleuca.




Seus ramos espremidos têm o leve perfume de uma bala sofisticada. 


Dama da noite





Ela está no jardim, num cantinho, há décadas. Agora ela está florindo. À noite o seu perfume se irradia de tal modo que chega a dominar o sentido do olfato e o ambiente a metros.

Mas, é uma dama, tem que ser respeitada. Ela produz o seu perfume e quer que todos nas proximidades dele se inebriem. Ora, que seja...











Legendas:

(1) Jornal "O Estado de São Paulo" de 31.10.2014

(2) "Jornal Opção"de 01.11.2014. Entrevista de Altair Sales Barbosa, "O Cerrado está extinto e isso leva ao fim dos rios e dos reservatórios de água."



10/10/2014

SAUDADES & [Outras] 'ORAÇÕES'

Algum remorso

Dos meus filhos pequenos – quem me dera voltar no tempo e fazer coisas indiferentes! Brinquedos, folguedos, participação, carinho.
Gratidão aos anjos
Aos meus anjos da guarda de me guiarem naqueles tempos loucos de descer uma longa avenida em declive radical, de bicicleta e outras barbaridades (rua Baia Grande, Vila Bela, SP até a ponte do rio Tamanduateí – divisa com São Caetano – que não existe mais).
Ando esquecido deles mas acho que eles estão por perto não esquecidos de mim e no silêncio sopram sabedoria nestes tempos difíceis.
Nestes tempos em que sobram sopros malévolos.

Passeio Astral
Chego perto do Cine Vitória, de São Caetano, numa madrugada escura. Que viagem é essa? Era nesse ponto, ali naquela esquina (Baraldi com Santo Antônio) que se davam os encontros e debates entre estudantes e acadêmicos. Tive vontade de falar... com quem? O cinema não existe mais, onde os seus frequentadores, onde os debates que resolviam a vida, o país sempre sem solução? O tempo passou (passou?) e estou aqui nessa escuridão da madrugada.



Preciso estar fisicamente por ali dia desses. Deve valer a pena repensar. Parar um pouco.

Constrangimentos, lembranças
De um professor de matemática, eufórico, no exame oral, com um visitante ao seu lado. Seus alunos não sabiam nada dos exercícios das provas. Na minha vez, vi-me exposto a coisas “em grego” transcritas na lousa para resolver. Eu era a esperança. Nada feito. Frustrado. Nervoso, constrangido aprovou todos. E o visitante parecia compreender o analfabetismo matemático de seus alunos que nas aulas faziam cara inteligente. Nas provas, só colas. Nos exames faltaram elas.





Inglês
De uma professora de inglês, rigorosa ao extremo desejando que seus alunos aprendessem a língua da América na marra. Nas chamadas orais para interpretar em inglês um texto na classe, rezava para não ser sorteado. Seria zero e a vergonha. Anos mais tarde pagaria pela minha negligência e dificuldade em aprender o idioma. Um trauma.
A minha necessidade de inglês chegara a ser tão intensa mais tarde que me “matriculei” num curso em São Paulo que usava um certo método se não me engano denominado “teleométrique” que além das aulas teóricas, muito corridas, exigia por algum tempo, a fixação de microfones atrás das orelhas, no osso mastoide, que transmitia sons da língua que iam direto para o cérebro. Resultado final: zero!
Foram muitas as rezas para recuperar o tempo perdido.

Solidão
Pode não ser o vazio da existência. Ela pode preencher a alma com revelações inesperadas, interiores. Lembranças e esperanças. Além de se misturar aos livros quando é sério o vazio.
Um pouco de música clássica não ajuda também a superar esse sentimento de perda?

Saudades
Da missa das 10h40 da matriz de São Caetano. Praça Cardeal Arcoverde. As meninas desfilavam bonitas e elegantes. Flores.
Do baile anual das debutantes na Associação Cultural, no salão do prédio do Cine Vitória. A fina-flor e algumas flores meio artificiais. Mas, havia beleza. Que tempos primorosos.

Infância
Dos divertimentos de rua, jogos de taco, da bolinha de gude. Achar o tesouro no barranco na Vila Bela. A televisão era remota. Não havia a rede global alienante. Não havia computador, nem internet, jogos na tela, facebook – mesmo que ele tenha facilitado o “direito” de qualquer dos seus membros em se comunicarem.
Se comunicarem ou se alienarem no nada mentalizar.

Saudade adocicada: Esquálidus
Na década de 50, a figura misteriosa de Esquálidus, amigo de Mickey nos quadrinhos de Disney. Se bem me lembro era um ET provindo da Lua que no começo não conseguia se comunicar com Mickey.
Depois se comunicava em todas as línguas – falava com a letra “p”: pLua, pamigo... - falava com os animais e plantas. Previa o futuro, tinha força incomum, atravessava paredes e levitava.

Com todos esses poderes não se lembrava, porém, da palavra mágica para voltar à Lua. - ou de onde viera. Um dia Mickey ordena: “vamos dar o fora!”

DAR-O-PHORA era a palavra mágica. E, com ela, pronunciada, deixou a Terra e os quadrinhos do Mickey.
O tempo fica e a gente passa. Inexorável.

Plantas e árvores
Protesto perante manacá de jardim que não floria, como floriam os das vizinhanças.
No dia seguinte, sábado, ouvindo meus apelos, não só floriu como perfumou o corredor. Tinha a impressão que ao chegar perto, o perfume se tornava mais...perfumado.

Tenho o direito de pensar que as plantas têm seus desejos e respondem a estímulos.

Vejam esta árvore – seria ficus? – que vez por outra visito. Sob sua fronde há dignidade, o clamor pelo respeito e o verdadeiro mistério que suas vibrações exalam. Vibrações serenas de paz e emocionante humildade. E essas coisas têm muito com divindades em sua volta. (*)
Pergunto, então, qual a repercussão moral que decorre da devastação das florestas? Dessas catástrofes ambientais? O “suor” das matas não são as chuvas? Qual a repercussão moral pela degradação simultânea da fauna?
Há um preço que temos que pagar pela insanidade, pela imoralidade. E pagamos.
(*) Essa árvores pode ser vista "ao vivo" na área verde do Carrefour Piracicaba
Amigos
Posso afirmar que os tenho. Poucos. Aqueles principais são os que permanecem por décadas. Que me perdoem os mais recentes. Sabem aquela do vinho?
Amigos que não são amigos, são aqueles do mero relacionamento profissional. Sobre amigos que se revelaram na vida profissional, talvez me lembre de dois que sumiram pelas voltas da vida.
Mas, pelo menos, eles “estão” comigo até hoje.
Reconheço que essa escassez de amigos possa ter como causa, meu modo de ser e de encarar as coisas e até mesmo contundente.
O que fazer?

Já disse, eu passei e o tempo ficou.



A foto acima é de autoria de Milton Pimentel Martins



03/08/2014

ABELHAS E VESPAS



Muitas são as experiências interessantes com abelhas relatadas sempre. A minha é simples e de não agressão embora eu me expusesse a tanto no meio delas. Hoje, como tantos outros animais e insetos úteis elas estão num processo de extinção, quer pela degradação ambiental, quer pelos agrotóxicos espargidos nas plantações. Dentre os "animais" que polinizam, a abelha é o principal indivíduo. Elas equilibram a produção de frutas e outros alimentos que tende gradativamente à diminuição.
Estes são os tempos das tragédias ambientais.
Como essa preocupação não afeta a quem deveria, porque hoje tudo é imediato e na linguagem do dinheiro faço minhas homenagens às abelhas  torcendo por elas e enaltecendo a necessidade de sua proteção.
Abelhas
São essas pequenas coisas que ficam, um carinho só, um sonho que com o tempo vai se desfazendo. Não sei bem porque é ou foi assim. Me parece que para muitas coisas há uma fadiga natural e, com ela, certo desencanto e a ansiedade de mudança eclode.
Pois, foi assim.
O terreno não ia a sete mil m². Era tomado por eucaliptos. Para torná-lo aproveitável comecei um trabalho de arrumação do terreno. Um pequeno trator se incumbiu da devastação. Mas, no lugar dos eucaliptos, em todos os cantos foram plantadas árvores frutíferas, abertos canteiros, flores e, com elas os beija-flores e abelhas.
Muitas árvores e plantas foram queimadas pela geada que por lá se dera nalguns invernos.

Depois, construí uma casa de madeira, bem própria para o campo. Arrumadinha mas com alguns detalhes meio precários, caso dos vãos entre o telhado e o forro, que permitiram que morcegos frugíveros ali passassem a viver, ruidosos a noite inteira sobre o forro. 



E mais, tempos depois, num dos lados do telhado, bem na aba da varanda, a pouca altura, instalou-se um enxame de abelhas.
A colmeia cresceu muito. O mel quase que varava pelo o forro frágil de fibra tipo “eucatex”. Chegamos a extrair mel em razoável quantidade.
No calor insuportável dos dias de verão, as abelhas pareciam sofrer muito porque as telhas de amianto aumentavam a temperatura ficando a colmeia “prensada” num forno.


Em grande quantidade elas deixavam o abrigo no telhado e, “nervosas”, saiam em busca de alimento ou permaneciam esvoaçando ruidosas a poucos metros do chão.
Tinha por hábito passar no meio delas. Elas se embaraçavam nos meus cabelos, mas nunca foram agressivas. Jamais fui vítima de seus ferrões, salvo uma única vez em que uma delas, vendo-se presa atrás da lente de meus óculos, ameaçou a picada que não consumou. Se se consumasse, poderia ter atraído o ataque de outras e teria sido perigoso...ou doloroso o suficiente para não mais esquecer.
Essas abelhas eram agressivas. Certa feita, num pequeno serviço de terraplenagem por perto, o tratorista foi violentamente atacado por elas.
Para mim, essa relação de confiança demonstrada pelas abelhas, transcende o acaso, deixando transparecer que até elas respeitam sentimentos de não agressão e de tolerância.
Mas, não havia como, um dia tiveram que ser retiradas por quem bem delas cuidava.
Mas, essa minha convivência com elas, pode não ser pacífica. A reação pode não ser a mesma em qualquer outra circunstância ou pessoa podendo ser perigoso. 
O tratorista a metros de distância da colmeia teve essa experiência ao ligar o trator. 
Tantos anos depois, ficaram essas saudosas lembranças.

[Foi lá que numa pequena área de mata baixa, vizinha, devo ter encostado a perna numa taturana venenosa. Foi uma das dores mais atrozes que senti.]

Vespas 

Quando vim para o interior de São Paulo mudando-me com a família do ABC , aluguei uma casa assobradada. Na parte de baixo espécie de salão de jogos, dando para o quintal, instalara-se, parecia fazer algum tempo, um ninho de vespas, aquelas cujas picadas são muito dolorosas.
As crianças querendo fustigar os marimbondos que ali viviam quietos e amistosos, passaram, numa tarde de sábado, a mirar tênis no ninho. Claro que o vespeiro ficou agitado e agressivo. As vespas se aproximavam tentando identificar o agressor.


Impedidos por mim de continuarem atiçando os bichos, depois de algum tempo, não houve jeito, tive que recolher os tênis bem debaixo do ninho semidestruído.
No momento em que estiquei o braço direito para recolher um dos tênis em local bem abaixo donde esvoaçavam as vespas, uns cinco indivíduos me atacaram, picando apenas o braço ameaçador.
Eles não me atacaram para agredir, apenas para se defenderem da iminência de nova violação.
Meu braço inchou, mas eu apreendi a lição da não agressão e da justa defesa.

 Fotos

1. Trator trabalhando no terreno e primeira "moradia"
2. Casa pré-fabricada. Na aba à esquerda da varanda, habitavam as abelhas
3. Abelhas
4. Vespas

05/07/2014

A CORUJA PERNETA

ANIMAIS (ZINHOS) E BICHOS constitui-se uma crônica publicada em 10.04.2009 neste “Temas” falando de várias espécies que me marcaram. Por gostar muito, resolvi separar cada animalzinho fazendo uma crônica para cada um deles. A introdução original a essas republicações pode ser lida na crônica “O escorpião no sapato” de 04.03.2014.
Outros "bichos" que republicarei:
Abelhas
O leitãozinho
("O quati" já foi republicado em "Quatizada em Águas de São Pedro" de 14.07.2013 e “O escorpião no sapato” 04.03.2014 neste “Temas”).
A coruja perneta

Numa tarde modorrenta de domingo, eis que uma coruja - ave muito comum no interiorzão de São Paulo, onde fazem seus ninhos em covinhas nos campos – no alto de um telhado vizinho, debatia-se para soltar sua perninha dos arames que retinham uma antena de televisão. Encontrava-se presa num desses fios onde se forma uma espécie de “v” ou “y”. Tentava se soltar pressionando a perninha no sentido do vértice da forquilha o que cada vez mais a feria.




Para melhor enxergá-la, munimo-nos de um binóculo. A perninha presa sangrava e mais se feria na medida em que forçava para escapar da “armadilha”.
Um dos meus filhos, verdadeiro “animal trepador”, então, resolveu soltá-la. Chegou ao telhado do sobrado escalando muros e, com jeito, alcançou a corujinha. Já exausta e ferida não esboçou reação alguma, quem sabe conformada com o seu fim, eis que o inimigo cruel chegara para abatê-la impiedosamente.
Num movimento suave foi ela solta. Após alguns segundos, percebendo a liberdade, voou para uma folha alta de coqueiro, numa área verde próxima. Estava salva. Vacilara um pouco em voltar para seu esconderijo bem embaixo do coqueiro. Não demoraria muito, ela desapareceria. Sua cova estava vazia.
Algum tempo depois, ela reapareceu, mas empoleirada numa folha de coqueiro de minha casa – aquele tipo de coqueiro classificado de “anão” mas que vai crescendo e engordando como gota próximo da terra e se tornando alto e inalcançável. Certa vez, ainda não tão alto como hoje, ele produziu duma só vez 76 cocos, algo inimaginável. Não se trata de conversa de ...pescador, até porque falo de cocos e não de peixes pescados, até porque odeio pescar. Jamais pesquei e detesto! Muito me diz numa frase de Leon Tolstoi em “Ana Karenina”: “Gostava de pescar a linha e parecia envaidecer-se com o fato de apreciar um entretenimento tão estúpido.”
Ainda baixo o coqueiro a coruja ali se acomodou, sem a perninha esquerda. Certamente que infecionara se atrofiando, resultando na sua amputação. Dali do coqueiro ela não fugia, ficava horas quietinha. Deixava-se tranquilamente examinar com o binóculo mesmo com a curta distância entre nós e a folha na qual se apoiava. Dava voltas de quase 180 graus com sua cabeça.
Não sei se seu instinto revelara que ali, naquele coqueiro, naquele lugar havia segurança para ela ou se, no seu pequeno cérebro, espocara algum sentido de gratidão.
À noite, ela desaparecia. Nas proximidades, uma coruja chirriava de forma arrepiante. Talvez fosse ela nos estertores de sua vida.
Um dia ela (ou ele?) sumiu. Talvez tenha sido ceifada por infecção na região da perninha amputada.
Ficou sua imagem e a nossa gratidão em estar conosco por algum tempo.



[O coqueiro que dava cocos em profusão precisou ser cortado, infelizmente; cresceu demais, passara a ser difícil colher os seus frutos, eles caiam no telhado, quebravam telhas. Ainda lá está no canteiro, a marca de seu tronco que na base era gordo sem que houvesse sinal de que parasse de engordar. Mas, foi uma perda.]